Com duração de dois meses, Programa Emergencial de Residência Artística – iai apropria-se de plataformas digitais, abrigando 06 jovens artista durante dois meses.  

No início de 2020, o ia – Instituto de Contemporânea de Ouro Preto se preparava para a realização de seu primeiro programa de residência artística, atividade, até então, inédita na região central de Minas Gerais, onde está localizada a cidade de Ouro Preto, sede do ia. O programa tinha como objetivo oferecer uma residência temporária no município, convidando artistas de todo o país a desenvolver trabalhos sobre a história, a arquitetura e as especificidades culturais que florescem na periferia da cidade, em um processo de descolonização do pensamento e do verniz de cidade Patrimônio Cultural da Humanidade, procurando revelar outra Ouro Preto, predominantemente negra, descendente dos escravizados que extraíram toneladas de ouro de suas encostas, no tempo do Brasil colônia.

No entanto, o horror da pandemia do novo coronavírus forçou o ia, através de seu braço digital, o iai (Instituto de Arte Interativo) a reconfigurar sua residência artística. Nascia, assim, o Programa Emergencial de Residência Artística – iai. Residência artística de caráter virtual, o programa foi com dois objetivos principais: traçar paralelos entre manifestações locais, próprias de artistas do município de Ouro Preto, e globais, ampliando o universo dessas práticas para o trabalho de artistas residentes no estado de Minas Gerais; pensar sobre inevitabilidade atual de se produzir, observar, fruir e interagir em um contexto de distanciamento social.

Com duração até meados de abril, o programa selecionou 06 jovens artistas bolsistas – sendo 03 de Ouro Preto e outros 03 residentes em Minas Gerais, em um universo de 123 inscritos, que vêm participando de encontros semanais com orientação curatorial de Tainá Azeredo e pedagógica de Valquíria Prates – profissionais de grande prestígio no mundo da arte contemporânea nacional. O cerne da residência encontra-se em três questionamentos principais: de que modo as plataformas digitais podem colaborar com os programas de residência artística e ajudar a criar outras formas de produzir e estar no mundo? Como as plataformas digitais podem ser utilizadas para nos auxiliar a encontrar outras temporalidades e espacialidades nos/dos trabalhos artísticos? Como a realidade digital pode evidenciar territórios invisíveis e contribuir para uma discussão decolonial, com foco em práticas artísticas atravessadas por questões sociais e políticas?

De acordo com Bel Gurgel, idealizadora do Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto, a pandemia evidenciou a necessidade de apropriação das plataformas digitais na arte para se refletir, entre outras coisas, sobre o futuro das residências, trespassadas, cada vez mais, pelos meios digitais, não só como meios ou dispositivos de criação (performances, web-arte ou animações), mas como mediadores dos ritos e experiências que orbitam as residências artísticas. “O que podemos perceber hoje é que os meios digitais são estratégicos no mundo da arte. Talvez, o primeiro questionamento que museus e galerias se fazem (ou deveriam fazer) ao planejarem sua programação anual, seja sobre as ações que se darão ambiente virtual. O programa que idealizamos, de caráter experimental, além de dialogar com essas perguntas, quer apontar horizontes de possibilidades não só para as residências, mas para os processos de fomento, produção e fruição da arte contemporânea”, afirma Bel, ao ressaltar que a iniciativa não pretende substituir o presencial pelo digital, mas estabelecer outras experiências.

A residência possui um caráter imersivo, com encontros individuais e coletivos semanais, parte deles privados, parte aberto ao público, no formato de lives, visando descortinar e publicizar as residências artísticas, herméticas por natureza.

Outro componente interessante que estrutura o Programa é a ideia de glocalização, que se refere à presença da dimensão local na produção de uma cultura global, buscando fomentar o respeito à diferença e a constante conexão entre pesquisas e produções artísticas de Ouro Preto e região, em diálogo com reflexões e produções que se dão no âmbito estadual, nacional e mundial. Nesse sentido, é interessante olhar para o perfil dos participantes, suas histórias de vida e vivências que se complementam, como é o caso do artista e poeta ouro-pretano Douglas Aparecido, morador da Rua da Fumaça, localizada no bairro do Padre Faria, periferia de Ouro Preto e Efe Godoy, artista plástica hibrida, residente na capital mineira e que hoje alcança o status de fenômeno das mídias sociais, com milhares de seguidores no instagram. Junto aos artistas, participam ainda, representando Ouro Preto, a professora doutora e pesquisadora Bárbara Mol, a artista plástica Belize de Melo Neves e, o global (demais cidades mineiras) Lucas Soares, de Juiz de Fora e Massuelen Cristina, moradora de Sabará.

A publicização da residência para o grande público se dá a partir de uma série de três encontros orientados por Tainá Azeredo, no formato de um programete, transmitido pelo canal do ia no YouTube, batizado de “Diálogos”. O primeiro acontece já no dia 17 de março, unindo os artistas Douglas Aparecido e Bárbara Mol. Com a temática “Territórios-Vestígios”, os artistas de Ouro Preto trazem o barroco como ponto de encontro entre o passado histórico e a possibilidade de invenção de um futuro. Já no dia 18 de março, Belize e Efe compõem uma conversa infindável e tecem juntas um tear de possibilidades no encontro batizado de Corpo-Casa, experimentando, em suas práticas, a fabulação, o peso das vestes, as linhas, o corpo e a casa. Por fim, no dia 19 de março, Lucas e Massuelen promovem um encontro entre rio e mar. De um lado, Lucas olha para o Atlântico em busca de respostas e outras perguntas sobre um passado marcado pela diáspora africana; de outro, Massu encontra no rio, que atravessa Sabará, suas memórias familiares e a relação com seus antepassados.

A segunda etapa da residência contempla, ainda, um encontro com a artista plástica e performer Gê Viana (Prêmio Pipa 2020) e o artista, curador e pesquisador queer João Simões (com trabalhos apresentados em instituições como CUNY, CCBB-SP, MASP e no festival Partout, em Basel/Suiça).

O programa se estende até o início de abril, do mês de março, com a realização de uma mostra de processos, no formato de live, abrangendo os trabalhos desenvolvidos pelos artistas residentes.  

Informações no portal: www.ia.art.br .

Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto: tradição x contemporaneidade

Quando há alguns anos, a publicitária, pesquisadora e gestora cultural paulista Bel Gurgel, radicada, há vinte anos, em Ouro Preto, reuniu forças para construir na cidade localizada na região central de Minas Gerais, um instituto dedicado à arte contemporânea, alguns obstáculos emergiram com força. O impasse em edificar um equipamento cultural, do zero, em Ouro Preto, não dizia respeito, propriamente, à dificuldade financeira para levantar as estruturas de um museu colossal em um país que, cada vez mais, investe menos em cultura. Mas, e, sobretudo, se revelava um problema complexo, relacionado à presença de uma instituição dedicada à arte contemporânea em um santuário sagrado inquestionável, Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade conhecida mundialmente por seu esplendor barroco.

Os esforços impressos para a materialização dessa empreitada teve várias frentes, com capítulos interessantes, entre eles, negociações com o poder público municipal e estadual; a participação de um mecenas que se dispôs a doar um terreno nos arredores de Ouro Preto; e um projeto arquitetônico idealizado e desenhado pelo escritório de um dos mais importantes arquitetos da história do país: Paulo Mendes da Rocha. Em contrapartida, a resistência conceitual à presença da arte contemporânea no dia-a-dia de uma cidade que, turisticamente, vive do passado e, socialmente, respira a tradição, minou a ideia. Naquele momento, tudo parecia ter sido em vão.

Mas, afinal, o que é ser contemporâneo? Para o filósofo italiano Giorgio Agamben, que dedicou grande parte de seu pensamento a uma reflexão sobre a arte, ser contemporâneo premedita uma relação ímpar com o tempo, em um gesto de coragem que remete à capacidade de, não apenas manter fixo um olhar nas trevas de uma época, mas de ter a faculdade de aguçar os sentidos na escuridão e perceber, no escuro, uma luz que, dirigida a nós, vai, constantemente, se distanciando de nós. O pensamento de Agamben inquietava Bel, que se tornara pesquisadora autoral e independente a partir de vivências diversas, da adolescência até a vida adulta, que incluíram visitas e longos bate-papos com o amigo Sandro Corradin, no ateliê de seu pai, o artista plástico Inos Corradin, localizado em Jundiaí, interior de São Paulo; e o trabalho como assistente de Ivald Granato, permitindo que ela transitasse por entre um seleto grupo de grandes artistas brasileiros das décadas de 1970 e 1980, como Antonio Peticov, José Aguilar, Cláudio Tozzi, entre outros.

Diante da impossibilidade de se construir um museu de arte contemporânea em Ouro Preto, a gestora cultural, assessorada por Vera Café, artista plástica e musa da contracultura paulista nos anos 1970, concebeu as bases conceituais do ia – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto, em meados de 2017. Hoje, o ia se destaca como associação cultural sem fins lucrativos, centrado no compromisso social por meio da arte e no fomento à construção de pontes entre os saberes e fazeres artísticos e artesanais das comunidades do entorno da região de Ouro Preto – distantes, portanto, do centro histórico e invisibilizadas pelo brilho da arte e arquitetura barroca da cidade -, com a arte contemporânea.

Desde então, o Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto vem atua na pesquisa e desenvolvimento de projetos culturais de curta a longa duração, se estabelecendo como uma plataforma colaborativa que busca agregar valores da diversidade social, das tecnologias digitais, da sustentabilidade e da economia criativa, articulando novas linguagens, integrando conhecimentos e impulsionando artistas a explorarem o significado e o impacto de suas experiências de vida no seu próprio trabalho, no território e na troca com o diferente.

O embate entre tradição (representada pelo esplendor barroco da cidade patrimônio cultural da humanidade) e a contemporaneidade (com foco no caráter efêmero da arte contemporânea) constitui a essência do ia, a partir de quatro pilares principais: a troca entre diferentes atores sociais, o diálogo entre linguagens artísticas distintas e entre o passado, o presente e o futuro, a desconstrução do status quo que subjuga a arte ao mercado e a tendências regidas pelo mercado e a decolonização, como forma de se criar e produzir arte contemporânea, a partir da reverência, reconhecimento e legitimação de epistemis e práticas culturais, sociais e políticas da América Latina e do Brasil, especificamente.   

Transmissãohttps://www.youtube.com/channel/UCLK_ng_GqMpUhO857NXQRIA

Informaçõeswww.ia.art.br