Artista autodidata trilha uma trajetória de sucesso com reinvenção e valorização de tradições musicais

Ainda nos anos 1930, a cantora e guitarrista Sister Rosetta Tharpe, mulher negra dos Estados Unidos, uniu a música gospel e acelerou o blues, sendo uma das pioneiras do rock. Apesar disso, a artista é pouco lembrada, fato que nos leva à falta de reconhecimento das mulheres em gêneros musicais dominado por homens – um reflexo do que ocorre em vários âmbitos da sociedade.

Multi-instrumentista desde criança, tocando os primeiros instrumentos aos seis anos, a cantora e multi-instrumentista Bia Villa-Chan tem feito do próprio caminho um gesto de incentivo à atuação artística feminina no virtuosismo e na seara da música de tradição regional, elementos com poder de criar identidade cultural e ainda associados, majoritariamente, a protagonistas masculinos.

Não raro, a cantora sobe ao palco vestida com roupas onde está inscrita a mensagem “Toque como uma mulher”, expressão combativa ao machismo e estímulo à inserção musical das mulheres. “O meio instrumental é ainda muito masculino. Logo quando comecei a tocar, vi alguns olhares desconfiados. Já escutei coisas do tipo: ‘Eita, ela toca feito um menino’ ou ‘Até que para uma mulher ela toca muito bem’. Por isso é que eu levanto essa bandeira. Hoje em dia, venho conquistando reconhecimento e respeito no meio, tanto de quem faz com de quem escuta. Isso para mim é um troféu muito importante”, afirma Bia.

“A guitarra, por exemplo, é um instrumento muito versátil. Acredito que a guitarra, quando tocada por uma mulher, tem um encantamento redobrado. Esse ainda é um instrumento muito ligado a um imaginário de masculinidade, então essas interpretações carregam esse empoderamento”, opina.

Em um mundo cada vez mais disruptivo, Bia Villa-Chan tem trabalhado para valorizar e reinventar a cultura musical pernambucana e nordestina, aliando ritmos tradicionais com novas roupagens e criatividades instrumentais. Em sua trajetória, já colaborou com nomes como Alceu Valença, Armandinho Macêdo, Luiz Caldas e vem ganhando cada vez mais destaque nas redes sociais, onde publica vídeos cantando e tocando.

O sucesso vivenciado, hoje, ecoa uma relação iniciada no seio familiar, quando Bia aprendeu com o avô Heitor Villa-Chan, um dos criadores do bloco Pirilampos de Tejipió (citado na clássica canção “Valores do Passado”, de Edgar Morais).  Autodidata, ela passou a dominar com naturalidade instrumentos como a guitarra, o contrabaixo, a bateria, o clarinete, o sax e o piano. Mas a carreira seguiu outro rumo: Bia enveredou pelo campo da saúde e estudou odontologia.

A artista iniciou a carreira musical profissional em 2017, após superar um câncer de tireoide, experiência que a fez decidir seguir o seu sonho. Nesse período, foi condecorada com prêmios como Troféu Gonzagão, que é um patrimônio cultural imaterial do estado da Paraíba, sendo realizado pelo Instituto Intercultural Brasil (Inbra).

á amealhou o prêmio de Melhor Cantora de MPB, na 10ª edição do Prêmio da Música de Pernambuco, e legou ao público os EPs “Pedacinho de Mim” e “GiraSons” – esse segundo recheado de composições assinadas por Sivuca e parcerias do ícone da música brasileira Alceu Valença e do lendário guitarrista baiano Armandinho Macêdo.

A habilidade com o bandolim transformou Bia, não raras vezes, em “sensação digital” da música pernambucana com performances cujos registros viralizaram na internet e nas redes sociais. Ela vem viralizando com diversas interpretações instrumentais nas redes sociais, indo de clássicos do forró ao rock. O baixo de “Sultans of Swing”, do Dire Straits, alcançou quase 3 milhões de usuários, atraindo públicos da Rússia e dos Estados Unidos.

“Está sendo muito gratificante esse retorno, pois tivemos de nos reinventar de alguma forma na pandemia. Como manter viva a nossa arte no coração das pessoas? Montei um home studio em casa e comecei a mostrar mais esse meu lado. O bandolim, que é o meu principal instrumento, é mais prático, porém também é inusitado e raro de ser tocado. Peguei contrabaixo e guitarra para tocar músicas e artistas que são referências para mim, do frevo ao rock”, diz Bia Villa-Chan.