Reunião de colunas traça o preocupante panorama político e histórico do governo Bolsonaro e sua crescente ameaça à democracia brasileira
Antes mesmo de assumir o posto mais alto da República, Jair Bolsonaro deu inúmeras demonstrações do seu desprezo pelos valores democráticos. Desde que tomou posse como presidente, em 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro vem esbanjando disposição em ampliar seu repertório de ameaças às conquistas garantidas pela Constituição de 1988. Seu uso político das Forças Armadas, a constante divulgação de mentiras, a demolição do projeto de preservação ambiental e de proteção aos povos indígenas, além da sistemática intimidação às instituições públicas e de imprensa, com o intuito de minar as bases da democracia brasileira, dão o tom do seu (des)governo. Mas o descaso com as medidas de controle da pandemia de covid-19 e a falta de empatia com as vítimas demonstraram que o que já era ruim poderia ficar muito pior.
São esses os temas recorrentes que pontuam o grave cenário de ameaça autoritária no Brasil e que estão presentes em A democracia na armadilha, seleção de colunas escritas entre abril de 2016 e julho de 2021 pela premiada jornalista e escritora Míriam Leitão. O ponto de partida é a sessão na Câmara dos Deputados que admitiu o andamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o então deputado federal Jair Bolsonaro homenageou o coronel Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI, um dos órgãos de repressão mais temidos da ditadura militar. No texto, a autora lembra que a exaltação à tortura, além de ataque frontal à mais importante das cláusulas pétreas, é apologia de crime imprescritível.
O foco da coletânea fica na primeira metade do mandato de Bolsonaro, tempo mais do que suficiente para tornar evidentes seu fracasso administrativo e suas intenções institucionais. Mas tudo o que aconteceu depois de fechada esta seleção de colunas só comprovou o que elas mostraram com antecipação. Sobre as eleições presidenciais que serão realizadas em 2022, Míriam cita a tentativa de golpe do ex-presidente norte-americano Donald Trump como um alerta em relação à teoria conspiratória em torno da urna eletrônica, usada como pretexto para não respeitar os resultados do pleito.
Além de um alerta, este livro é como um álbum de retratos que, vistos em ordem, formam o filme de uma época e dão ao leitor um painel completo de um momento histórico no calor dos acontecimentos. E, principalmente, mostra a que ponto um país pode chegar quando um inimigo da democracia se instala no coração do poder. Em enredos como esse, a luta é para que a democracia não morra no final.
MÍRIAM LEITÃO é mineira de Caratinga. Como jornalista recebeu diversos prêmios, entre eles o Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, de Nova York. Como escritora, ganhou o Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2012 por Saga brasileira e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2015 por Tempos extremos, lançado pela Intrínseca. Também pela Intrínseca publicou História do futuro: o horizonte do Brasil no século XXI (2015), A verdade é teimosa (2017) e a coletânea de crônicas Refúgio no sábado (2018), com a qual foi finalista do Jabuti. É casada com Sérgio Abranches, tem dois filhos, Vladimir e Matheus, e um enteado, Rodrigo. É avó de Mariana, Daniel, Manuela e Isabel.
A DEMOCRACIA NA ARMADILHA, de Míriam Leitão
Editora Intrínseca
496 páginas
Impresso: R$ 89,90
E-book: R$ 44,90