Foto: Andréa Rego Barros

Resultado de residência artística, obra do artista cubano leva ao Jardim Botânico do museu na Mata Sul do Estado pavilhão que reflete noções de organicidade e materialidade, já nascendo como o maior orquidário aberto à visitação em Pernambuco

Espaço de transformações e simbioses da criação artística com a natureza, a Usina de Arte ganha um novo ponto alto dessa convergência com a inauguração do site “Jardim Frágil”, do artista cubano Carlos Garaicoa. Fruto de residência artística iniciada em 2019, a obra reafirma o projeto museológico do equipamento em ser uma arena de convergências de arte, botânica, arquitetura e paisagismo. Com estrutura de pavilhão, a instalação do artista é inspirada na estrutura geométrica dos cristais e nasce como o maior orquidário aberto à  visitação em Pernambuco, propondo diálogos entre a organicidade, mutações e materialidades das orquídeas e do vidro de Murano. A inauguração, aberta ao público, será neste sábado, 22 de março de 2025, a partir das 15h30.

A novidade expande o conceito de jardim, alçando o termo para além de um espaço de cultivo e contemplação da flora, mas também como um território de integração de arte e natureza, estimulando novos olhares para a relação entre a paisagem natural e a intervenção humana. “Brinco efetivamente com o contraste que representa encontrar a relação matemática na natureza e, por outro lado, o caos, ou aparente desordem, que podemos encontrar na vegetação. O jogo entre o controle e a liberdade está presente, não só no pavilhão, mas na obra Jardim Frágil que lhe dá origem. O pavilhão foi concebido como um prisma, uma estrutura ‘controlada’, que serve para abrigar orquídeas, que representam beleza e liberdade absolutas. O mesmo acontece naqueles tipos de ‘cetros’ da instalação, que de um lado possuem um prisma, e do outro uma figura livre em forma de flor, lembrando as orquídeas que o rodeiam”, sintetiza Carlos Garaicoa.

Jardim Frágil é uma espécie de “metaobra”, combinando o pavilhão e seu espaço expositivo de orquídeas com um conjunto escultórico central composto por hastes de ferro, semelhantes às ferramentas utilizadas pelos sopradores de vidro, encimadas por figuras de vidro de Murano, material que há séculos desafia a solidez e a previsibilidade da matéria. Essas peças repousam sobre uma mesa de vidro transparente de formato orgânico, reforçando as tensões entre o rigor geométrico e a fluidez das formas naturais. A instalação se apresenta como uma ilha isolada, envolta pela vegetação e um espelho d’água, criando um espaço contemplativo que se distancia do espectador ao mesmo tempo em que o convida a mergulhar em sua narrativa visual. O trabalho também pode ser apreciado de cima, por meio de uma passarela, permitindo uma visão panorâmica desse diálogo entre estrutura e espontaneidade.

Matemática e liberdade das formas naturais

Conhecido por sua exploração das cidades e da memória urbana, o artista contemporâneo cubano leva para o potente acervo da Usina de Arte uma investigação mais essencial e simbólica. A partir dos estudos de Dr. Krantz e Dr. J.F. Hessel sobre a estrutura cristalina, ele propõe um debate visual e filosófico sobre as formas do mundo e as maneiras como as organizamos e interpretamos. Os prismas de vidro, reproduções de modelos antigos dos anos 1920 adquiridos pelo artista, funcionam como vestígios dessa busca por um equilíbrio entre a rigidez e a mutabilidade. O pavilhão Jardim Frágil, fruto colaboração entre Garaicoa e a arquiteta cubana Jetter Gonzales, expõe que a forma cristalina não é mero acaso. Assim como a obra central, a estrutura investiga a dualidade entre a organização matemática dos cristais e a liberdade formal das formas naturais. O espaço expositivo, portanto, não é apenas um recipiente para a arte, mas parte essencial do discurso poético e estético do todo.

O site specific também dá nova musculatura a outra plataforma museológica da Usina de Arte, que é revisar a trajetória do território onde está inserida em uma perspectiva social. O passado açucareiro da região, em que a extração e a cristalização do açúcar simbolizavam uma ordem socioeconômica também é ingrediente para a estruturação geométrica do trabalho. Assim como os cristais podem se tornar fluidos, Jardim Frágil sugere a possibilidade de novas narrativas, em que a organicidade, a imprevisibilidade e a beleza da manualidade oferecem alternativas às cicatrizes históricas, em um convite ao que há de sólido e de efêmero naquilo que nos cerca, seja na arquitetura, na arte ou na própria vida.

“Essa obra corresponde bem à filosofia geral da coleção da Usina. É um percurso imersivo convidando o público a mergulhar numa obra eco, de um projeto que é ao mesmo tempo um jardim botânico e ao mesmo tempo um parque de arte. O artista colocou no mesmo nível a beleza da criação da natureza com a criação da arte contemporânea”, aponta o curador da Usina de Arte, Marc Pottier.

A chegada de Jardim Frágil também amplia a universalização do acervo de mais de 45 obras da Usina de Arte, que já conta com nomes expoentes da arte no mundo como Marina Abramović, Alfredo Jaar e Anne e Patrick Poirier.  “A Usina de Arte sempre foi concebida como um espaço de diálogo entre arte, paisagem e comunidade. Ao longo dos anos, temos ampliado esse compromisso ao trazer para o nosso acervo artistas de diferentes partes do mundo, enriquecendo nossa narrativa e fortalecendo o papel da Usina como um museu vivo, em constante transformação. A escolha de Garaicoa reforça nosso compromisso em trazer artistas que, como ele, desafiam fronteiras e transitam entre arquitetura, urbanismo e poética visual, criando novas formas de perceber e habitar o espaço. É um privilégio acolher um trabalho que dialoga tão profundamente com a identidade da Usina e do Brasil”, afirma a presidente da Usina de Arte, Bruna Pessôa de Queiroz.

Os jardins de Garaicoa

Desde 1997, Carlos Garaicoa tem explorado a temática dos jardins em suas obras, utilizando-os como metáforas para investigar a relação entre natureza e artifício, bem como as dinâmicas sociais e políticas presentes nos espaços urbanos. Um exemplo marcante é a obra “Jardín Japonés” (1997-2000), uma fotografia colorida sobre papel Duraflex que captura a essência de um jardim japonês, simbolizando a busca por harmonia e equilíbrio entre o homem e a natureza.  Em “Jardín Cubano” (1996), apresenta uma fotografia que reflete sobre a identidade cubana por meio da representação de um jardim, sugerindo uma conexão profunda entre cultura e ambiente natural. Essas obras demonstram como o artista utiliza o conceito de jardim para questionar e reinterpretar as interações humanas com o espaço, revelando camadas de significado que vão além da mera representação botânica.

A inspiração para o pavilhão “Jardim Frágil” surgiu a partir da coleção de orquídeas do espaço, com mais de 8 mil plantas, e da ideia de desenvolver um orquidário baseado na obra homônima já existente. Essa instalação encapsula a dicotomia entre natureza e artifício, temática central em seu fazer artístico. “Uma das coisas que mais gosto nesta obra é realizar o sonho de um jardim ‘proto-japonês’, pois adoro a tradição dos jardins Zen e o desenho dos arranjos florais japoneses. Por isso, vejo um sonho realizado em ter a minha instalação coexistindo num orquidário feito à medida, onde a natureza e a arte estão fortemente ligadas. A partir daquele ‘casulo’ artificial que constitui o pavilhão somos convidados a contemplar a natureza, do que é artificial e não artificial, e do que é mediado pela mão do homem. Somos convidados a perceber a paisagem, os testemunhos do impacto humano sobre ela, e instigados a sonhar em encontrar um ponto médio de infinitas possibilidades”, finaliza Garaicoa.

Start up Day

Além da inauguração de Jardim Frágil, a Usina de Arte compartilha o 22 de março recebendo pela terceira vez o Startup Day, um dos maiores eventos de empreendedorismo e inovação do País, realizado pelo Sebrae. Neste ano,  as atividades acontecem na Biblioteca do equipamento e no Ginásio do distrito de Santa Terezinha, trazendo como destaque na programação a palestra “O novo jogo do mercado: marketing e vendas para negócios inovadores”, com o jornalista Pedro Linds, explorando as tendências do mercado contemporâneo. Com um histórico de recorde de inscrições na Mata Sul pernambucana, o evento promove debates sobre temas como Empreendedorismo, Turismo, Educação e Inteligência Artificial. Nesta edição, a mobilização cresce ainda mais, com a inclusão de duas novas cidades no estado, fazendo parte de uma programação nacional que acontecerá simultaneamente em cerca de 200 localidades.

Sobre o Artista

Carlos Garaicoa, nascido em Havana (Cuba), em 1967, estudou termodinâmica e mais tarde pintura no Instituto Superior de Arte, Havana (1989 – 1994). Atualmente vive e trabalha entre Havana e Madrid. Garaicoa desenvolveu um diálogo entre arte e espaço urbano através do qual investiga a estrutura social de nossas cidades em termos de sua arquitetura. Ele emprega uma abordagem multidisciplinar para abordar questões de cultura e política, particularmente cubana, através do estudo da arquitetura, urbanismo e história. Seu assunto principal sempre foi a cidade de Havana. Ao brincar com esculturas, desenhos, vídeos e fotografias centrados na ironia e na desesperança, Garaicoa encontrou em suas instalações, para as quais costuma usar uma grande variedade de materiais, uma maneira de criticar a arquitetura utópica modernista e o colapso das ideologias do século 20, aprofundando o conceito de cidade como espaço simbólico.

Entre as suas mais importantes exposições individuais destacam-se as da Rocca Maggiore de Assis (2024), Brownstone Foundation, Paris (2022), PEM Peadoby Essex Museum, Salem (2021), SCAD Museum of Art, Savannah (2020); Lunds Konsthall e Museu Skissernass, Lund (2019); Parasol Unit Foundation, Londres (2018); Fondazione Merz, Turim (2017); MAAT, Lisboa (2017); Azkuna Zentroa, Bilbau (2017); Museu Villa Stuck, Munique (2016); Nasjonalmuseet, Oslo (2015); CA2M Centro de Arte Dos de Mayo, Móstoles, Madrid (2014); Fundação Botín, Santander (2014); NC-Arte e FLORA ars + natura, Bogotá (2014); Kunsthaus Baselland Muttenz, Basileia (2012); Kunstverein Braunschweig, Brunswick, Alemanha (2012); Museu de Arte Contemporânea, Instituto de Investigação em Arte, Tampa (2007); Museu de Arte H.F. Johnson, Universidade de Cornell, Ithaca, Nova Iorque (2011); Stedelijk Museum Bureau Amsterdam (SMBA), Amesterdão (2010); Centro de Arte da Panera, Lérida (2011); Centro de Arte Contemporânea de Caja de Burgos (CAB), Burgos (2011); Museu Nacional de Arte Contemporânea (EMST), Atenas (2011); Inhotim Instituto de Arte Contemporânea, Brumadinho (2012); Caixa Cultural, Rio de janeiro (2008); Museo ICO (2012) e Matadero (2010), Madrid; IMMA, Dublim (2010); Palau de la Virreina, Barcelona (2006); Museu de Arte Contemporânea (M.O.C.A), Los Angeles (2005); M.O.M.A, Nova Iorque, EUA (2005); Biblioteca Luis Ángel Arango, Bogotá (2000).

Participou em prestigiados eventos internacionais como: a Bienal de Cuenca (2023), as Bienais de Havana (1991, 1994, 1997, 2000, 2003, 2009, 2012, 2015), Xangai (2010), São Paulo (1998, 2004), Veneza (2009, 2005), Joanesburgo (1995), Liverpool (2006) e Moscovo (2005), as Trienais de Auckland (2007), San Juan (2004), Yokohama (2001) e Echigo-Tsumari (2012); documenta 11 (2003) e 14 (2017) e PhotoEspaña 12 (2012). Recebeu o Prémio PEM 2021 e em 2005 recebeu o XXXIX Prémio Internacional de Arte Contemporânea – Fundação Príncipe Pierre de Mónaco, e o Prémio Katherine S. Marmor em Los Angeles.

Sobre a Usina de Arte

Instalado onde funcionou a Usina Santa Terezinha (maior produtora de álcool e açúcar do Brasil nos anos 1950), na cidade de Água Preta, Mata Sul de Pernambuco, o projeto Usina de Arte conecta arte, cultura e meio ambiente, a partir de um museu de arte contemporânea ao ar livre, dentro de um Parque Artístico Botânico. Nele, estão instaladas mais de 45 obras e instalações de nomes como Marina Abramović, Regina Silveira, Alfredo Jaar, Geórgia Kyriakakis, Saint Clair Cemin, José Spaniol, Claudia Jaguaribe, Matheus Rocha Pitta, Juliana Notari, José Rufino, Flávio Cerqueira, Bené Fonteles, Hugo França, Rizza Bomfim, Paulo Bruscky, Denise Milan, Marcelo Silveira, Liliane Dardot, Maria Tereza e Thiago Sobreiro, Marcio Almeida, Frida Baranek, Artur Lescher, Carlos Vergara, Júlio Villani, Iole de Freitas e Vanderley Lopes.

Em meio a um trabalho de reflorestamento com plantas de mais de 1.000 espécies, em uma área de 40 hectares, o Parque Artístico Botânico é eixo central da iniciativa que irriga outras ações de desenvolvimento para a criação de estruturas para geração de renda e valor para a comunidade de 6 mil moradores no entorno do projeto. São exemplos o Fab Lab Mata Sul – Usina de Arte com terminais de computadores conectados à internet, impressoras em 3D e cortadora a laser para projetos da comunidade, a Escola de Música, a Biblioteca e Centro de Conhecimento público com mais de 5 mil títulos, além de parceria com as unidades escolares no apoio de novas práticas pedagógicas.

O objetivo é estimular o turismo, e a consequente atividade econômica na região da Mata Sul de Pernambuco, criando um ambiente favorável ao empreendedorismo na localidade, que viu nascer restaurantes, pousadas, pesque-e-pague, centro de artesanato, guias para passeios ecoturísticos, camping e a cultura de hospedagens domiciliares. “Essa guinada não seria possível sem o intenso envolvimento da comunidade, parte efetiva de todo o processo, e que, ao se sensibilizar com o potencial transformador da arte, tem contribuído sistematicamente com o projeto, desde a sua gestação até a atual condição de pilar de sustentação dele”, explica Bruna Pessoa de Queiroz, presidente da Associação Socioambiental e Cultural Jacuípe, que gere a Usina de Arte.

O grupo reúne mais de 40 membros de segmentos plurais da comunidade da Usina Santa Terezinha, sendo viabilizado a partir do apoio de pessoas físicas e jurídicas.

Visitação

A cerca de 150km do Marco Zero do Recife, o Parque Artístico-Botânico da Usina de Arte é aberto à visitação do público, das 5h30 às 18h, e tem acesso gratuito. Saindo do Recife, os visitantes devem seguir pela BR 101 Sul, sentido Alagoas, até o centro da cidade de Xexéu. De lá, o público segue pela rodovia PE99, que começa em frente à Paróquia de São Sebastião, e leva até a Usina, situada no Km 10. Entre as opções de alimentação, estão os restaurantes Jardim Botânico, a Pizzaria Estação dos Sabores, Mandacaru Abacate, Ró Lanches, Restaurante Alquimia e Restaurante Capim de Cheiro.

 

Serviço:

Inauguração Jardim Frágil
22 de março de 2025
15h30

Start Up Day
22 de março de 2025
Inscrições: sebrae.com.br/Pernambuco

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