Expoente da música regional brasileira, a cantora, compositora e multi-instrumentista paraibana Cátia de França tem uma rica trajetória, marcada por parcerias e gravações com nomes como Zé Ramalho, Elba Ramalho, Jackson do Pandeiro e Clementina de Jesus. Com mais de 40 anos de carreira, ela lançou em 2016 “Hóspede da Natureza” (Porangareté/Natura Musical). O disco, que já estava disponível nas plataformas de streaming, agora ganha uma edição especial em LP 12” laranja opaco 180g, incluindo encarte, já à venda online e nos shows da artista.

O álbum é um de seus trabalhos mais intensos, apontando para um dos pontos altos de sua carreira e faz parte de um resgate de toda a trajetória da artista. Com a turnê desse álbum, ela segue rodando algumas das principais capitais do país. Gravado e produzido por Rodrigo Garcia entre o fim de 2005 e 2006, “Hóspede da Natureza” busca inspiração na bíblia hippie “Walden, ou A Vida nos Bosques”, escrito em 1847 por Henry D. Thoreau. Pensando nisso, o trabalho foi norteado por um espírito intimista. Não por acaso, grande parte do processo de gravação aconteceu nos cômodos de uma casa localizada na serra fluminense. Garcia reuniu um time de peso, que anteriormente acompanhava Cássia Eller nos palcos, para dar forma às composições de Cátia. Os créditos do disco contam com músicos de renome, como o multi-instrumentista de sopros Marcelo Bernardes, que grava e excursiona com Chico Buarque, Walter Villaça nas guitarras e a conceituada Lan Lanh (Elba Ramalho, Marisa Monte, Nando Reis, etc.) na percussão.

As faixas trazem uma coleção de novas canções de Cátia e parcerias inesperadas. Entre elas estão “Evidências”, escrita com a carioca Mônica Dantas; e “Pra doer”, creditada a Júlio Sortica, cujo poema foi musicado por Cátia.

Esse é apenas um dos flertes de Cátia com o lado literário de sua música. Manoel de Barros aparece em “Grandezas pantaneiras” e Thoreau e seu “Walden” dão o tom da faixa-título. Trazendo uma gama de ritmos para o álbum, Cátia de França pinta “Hóspede da Natureza” de todas as cores, indo do reggae de “Geração” à bossa nova jobiniana “Rua do Ouvidor”, passando pelo blues (“Evidências” e “Tramas da Cidade”), o bumba-meu-boi de “Debaixo da tamarineira/Ô Mateu”, ritmos africanos (“O trator”) e loas de caboclo (“As águas que correram dos meus óio”), além do ótimo galope rock n’ roll de “Minha vida é uma rede”.

Assista ao vídeo de “As águas que correram dos meus óio/O trator”:

“Hóspede da Natureza” veio para somar aos trabalhos de destaque de Cátia de França, em uma produção do selo Porangareté com patrocínio do programa Natura Musical, selecionado no edital nacional.

Foto: Rodrigo de Freitas

Sobre Cátia de França

Nascida em João Pessoa, Paraíba, Cátia de França gravou três LPs e três CDs e se tornou uma referência da música regional brasileira. Suas canções já foram gravadas por grandes nomes da MPB, como Elba Ramalho, Amelinha e Xangai, e participou de festivais de música popular na década de 60, época em que viajou à Europa com um grupo folclórico.

Versátil e estudiosa, desde menina aprendeu a dominar instrumentos como o piano, a sanfona e o violão. Mais tarde, se interessou pelos acordes de flauta e pela percussão. Chegou a ser professora de música e, em meados dos anos 70, se aventurou nas composições próprias em parceria com o poeta Diógenes Brayner. A poesia e a admiração por literatura seriam marcas de sua música. “Meu trabalho é todo pautado em escritores. Eu não me inspiro porque a lua está assim ou assado, porque estou apaixonada ou estou sofrendo. É sempre um lastro, um alicerce que me dá credibilidade e me torna eterna”, conta Cátia.

Na época, a artista morava no Rio de Janeiro e integrava um grupo de músicos e amigos nordestinos que a ajudaram a iniciar a sua carreira. Acompanhou Zé Ramalho na lendária turnê “Avohai”, tocando sanfona.

O primeiro LP solo, o clássico cult “20 palavras ao redor do sol”, lançado em 1979, foi inspirado em poemas de João Cabral de Melo Neto. O álbum contou com Zé Ramalho na direção musical, arranjos e violas; Dominguinhos e Sivuca nas sanfonas, Amelinha e Elba Ramalho nos vocais de apoio, Lulu Santos na guitarra e Bezerra da Silva, tocando berimbau. O álbum é cru e traz uma emoção rasgada, com imagens mágicas do sertão. Recentemente, para celebrar os 40 anos dessa obra, o disco foi relançado em streaming e vinil pela Sony Music Brasil.

Ouça “20 Palavras Ao Redor do Sol”: https://spoti.fi/2W5dekf

Além de João Cabral, sua obra faz referências a Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Manoel de Barros, entre outros. São frutos do gosto pela leitura cultivado desde a infância, algo que foi introduzido pela sua mãe, professora. “Faltava manteiga, mas não faltava livro”, se orgulha a compositora.

Foi parceira de palco de Jackson do Pandeiro durante a primeira versão do “Projeto Pixinguinha”, em 1980. No mesmo ano, lançou o segundo trabalho, “Estilhaços”, que evoluiu a sonoridade e trouxe a eterna Clementina de Jesus como participação especial.

Em 1985, lançou o LP “Feliz demais”, com uma evolução sonora e influência da música negra. Já em 1998, foi lançado o álbum “Avatar”, com participação de Chico César e o parceiro de composição Xangai. Nesse seu primeiro lançamento em CD, Cátia moderniza sua música com canções que parecem mantras. Em 2012, ela se debruçou sobre o ciclo da cana de açúcar nordestino como descrito nos romances de José Lins do Rego, seu conterrâneo, no disco “No bagaço da cana um Brasil Adormecido”. Nesse disco, todas as canções são orquestradas por um coletivo exclusivamente feminino, o Camerata Arte Mulher.

Cátia também adentrou pelo mundo da literatura e das artes plásticas, escrevendo os livros “Zumbi em Cordel”, “A peleja de Lampião contra a fibra ótica”, “Falando de Natureza Naturalmente” (infantil) e “Manual da Sobrevivência”, um resgate de sua trajetória pessoal e profissional.

Tracklist

LADO A

Hóspede da Natureza (Cátia de França)

Minha Vida É Uma Rede (Cátia de França)

Lagarto Ao Sol (Cátia de França)

Geração (Cátia de França)

Pra Doer (Cátia de França/Júlio Sortica)

Evidências (Cátia de França)

LADO B

Tramas da Cidade (Cátia de França)

Rua do Ouvidor (Cátia de França)

Rio Capibaribe (Cátia de França)

Luvana (Cátia de França)

Debaixo da Tamarineira -Ô, Mateu (Cátia de França)

Trator – As Águas Que Correram dos Meus Óio (Cátia de França)

Grandezas Pantaneiras (Cátia de França/Manoel de Barros)