Sêxtupla Mastectomia (2023)

No próximo dia 5 de dezembro, quinta-feira, Fefa Lins abre, na Torre Malakoff, a individual Um Plano de Corte. A mostra, com realização da Amparo 60 através do Edital de Ocupação da Torre, apresenta um conjunto de seis obras recentes, realizadas entre 2023 e 2024, produzidas pelo artista, entre pinturas a óleo, objeto e escultura em fragmentos de paredes demolidas no centro do Recife. O texto crítico é de Agrippina R. Manhattan, artista visual e pesquisadora de São Gonçalo – RJ.

Fefa Lins, cuja pesquisa transita entre pintura, identidade e espaço urbano, propõe nesta exposição uma investigação focada no ato de cortar – tanto em seu sentido literal quanto simbólico. Inspirado pelos planos de corte da arquitetura, que revelam as estruturas internas de edifícios, o artista transpõe essa lógica para a pintura, explorando as camadas visíveis e invisíveis que compõem corpos, espaços e histórias. O corte, aqui, é um gesto de revelação, uma forma de desconstrução e reconfiguração que conecta elementos estéticos, políticos e autobiográficos.

A nova série inédita que compõe a exposição representa uma nova direção na prática artística de Fefa, ao integrar elementos arquitetônicos diretamente em sua obra. “Trabalhar com esses materiais de demolição tem a ver com a arquitetura, que é minha formação. Mas acho que tem também relação com um fascínio que eu sempre tive, desde a infância, com escombros, com materiais, com o trabalho manual, com o uso de ferramentas. Esses trabalhos me deram uma oportunidade para, de certa forma, mexer com isso. Porque eu pego esses escombros e eu esculpo eles, não só me aproprio e pinto em cima”, conta Fefa. 

Ele utiliza fragmentos de paredes demolidas do centro do Recife que encontra aleatoriamente em suas andanças pela área. “Eu não sei de onde vieram esses fragmentos, eles podem ter sido tantas coisas. Eu acho que de certa forma é uma libertação, você tirar aquele pedaço de parede da sua função original que era sustentar algo e transformar numa peça muito frágil. Quando você corta algo isso revela outras coisas, revela uma fragilidade, mostra o que tem dentro. Você desencaixa um pedaço de algo que ele deveria ser e ele pode ser outra coisa, pode se transformar”, reflete. Os fragmentos, obsoletos e desgastados, são transformados em em suporte e superfície para pintura, onde a memória urbana se funde às narrativas pessoais. A escolha desse material também destaca a relação entre ruínas e desconstrução, tanto no espaço físico quanto nos processos de subjetivação.

Entre as outras obras apresentadas, destaca-se Autorretrato com e sem seios (2020-2024), uma pintura que retorna a Recife após passar por exposições em outras cidades. A obra carrega as marcas de sua trajetória física e simbólica: foi cortada em duas partes, costurada e agora exibe cicatrizes que remetem às próprias marcas da transição no corpo do artista. Dividindo o mesmo tecido, as duas figuras representadas na pintura contrastam – uma com seios, outra com peito liso – sublinhando a ideia de transformação como um processo contínuo, sempre em trânsito.

Sêxtupla Mastectomia (2023) traz uma figura reclinada que encara o espectador exibindo cortes no peitoral e segurando uma faca ensanguentada. Neste trabalho, o corte se torna um gesto de autonomia e transição, subvertendo as representações tradicionais de passividade associadas aos corpos reclinados na história da arte. A pose remete à famosa figura da “moça reclinada”, mas aqui ela é ocupada por um corpo transmasculino, marcado por transformações hormonais e cirúrgicas. Mais do que uma reflexão sobre disforia ou transição, a obra reafirma o protagonismo sobre o próprio corpo, desafiando os papéis impostos pelas normas sociais binárias.

Com Um Plano de Corte, Fefa Lins reafirma a pintura como um espaço de experimentação e reflexão. A exposição destaca a continuidade de sua pesquisa artística, explorando questões sobre corpo, identidade e memória, ao mesmo tempo em que investiga novas relações entre a pintura e o espaço. Ao subverter o gesto do corte, Fefa amplia as possibilidades da prática pictórica, criando um campo de diálogo entre o pessoal e o coletivo, o material e o simbólico, no qual a obra se apresenta como um processo contínuo de reinvenção e transformação.

Essa mostra é um convite para explorar os múltiplos significados do corte – como ruptura, transição e reconstrução. As obras apresentadas não apenas refletem os processos pessoais do artista, mas também nos provocam a reconsiderar nossas próprias histórias e os espaços que habitamos.

MINIBIO

Fefa Lins é artista visual de Recife – PE, nascido em 1991 e graduado em Arquitetura pela UFPE. Tendo como ponto de partida a reflexão sobre afetos e desejos, o artista faz uso de técnicas seculares de pintura a óleo associadas a processos digitais e contemporâneos para investigar outras possibilidades para corpos e sexualidades localizados fora das normas hegemônicas. Participou de exposições coletivas pelo Brasil em instituições notáveis como MASP (Histórias Brasileiras, 2022) e Pinacoteca do Ceará (Negros na Piscina, 2022) e possui obras em acervos públicos como Pinacoteca de São Paulo, Museu da Diversidade Sexual e o Banco do Nordeste. Fefa realizou duas exposições individuais, “Tecnologias de Gênero” em 2021 na Galeria Amparo 60 em Recife e em 2023 apresentou “Vira-casaca” na Verve Galeria em São Paulo. Indicado ao PIPA 2022.

Um Plano de Corte – Fefa Lins
(Texto crítico Agrippina R. Manhattan) 

Abertura 5 de dezembro, quinta-feira, às 19h.

Visitação 6/12 a 28/02

Terça a sexta, 10h às 17h / Domingos, 14h às 18h

Torre Malakoff

Praça do Arsenal, s/n.

Realização: Amparo 60, Torre Malakoff, Fundarpe, Secult e Governo do Estado de Pernambuco.