A Editora Positivo acaba de lançar um livro inédito do poeta e artista plástico Carlos Dala Stella: “A arte muda da fuga”. Os 108 poemas reunidos na obra foram manuscritos nos cadernos de ateliê de Dala Stella. Uma seleção criteriosa foi feita por Marta Morais da Costa, doutora em literatura pela USP, a partir de um conjunto com aproximadamente duas mil páginas de textos, desenhos, recortes e colagens. As imagens do livro são pistas sobre o processo criativo do autor, que escreve e desenha cotidianamente em seus cadernos ilustrados há 39 anos.
No posfácio da obra, Marta explica que a maior dificuldade foi conter a riqueza da obra do poeta em apenas um livro. “Como selecionar, entre a riqueza de obras artísticas do Louvre, apenas uma? Como selecionar, entre as aves do Pantanal, apenas uma? Como, diante do Universo, afirmar a existência de apenas um planeta habitado? A tarefa de fazer nascer ‘A arte muda da fuga’ pertencia a difíceis – e impossíveis – seleções”, descreve a organizadora.
A saída, segundo ela, foi solicitar ao poeta a escolha da produção recente que, segundo ele, representasse melhor sua poesia do presente. “Eram dezenas e dezenas de textos, com temas, motivos e extensão variados, a pedir tinta, impressão, luz do dia. Em sua autonomia e feliz liberdade, proclamavam, no entanto, elementos comuns, parentescos, liames e conjuntos”, conta Marta. “Em busca dos fios a se entrelaçar, a se combinar e enovelar, fui pouco a pouco descobrindo meadas comuns, matizes de cores predominantes, possíveis agrupamentos. Nasceram assim as categorias de amarração dos poemas pré-selecionados pelo autor e novamente selecionados por mim. O volume ganhou sua primeira forma, que a editora aperfeiçoou e enriqueceu, imprimindo-lhe ritmo e visualidade”, afirma.
De acordo com a editora de literatura da Positivo, Cristiane Mateus, responsável pela edição do livro, a obra é publicada com uma tiragem inicial de três mil exemplares e outra, ainda sem quantidade definida, já está prevista para 2019. “A edição do livro durou pouco mais de um ano e começou com uma visita ao ateliê do autor. A ideia agora é fazer circular de verdade a escrita desse artista singular e de múltiplas habilidades, já que seus dois primeiros livros de poemas tiveram uma tiragem bastante restrita – o que é muito comum quando falamos em livros de poemas no Brasil”, afirma.
As imagens
Nos vazados e nas aberturas das imagens, o artista revela uma multiplicação de planos: camadas sucessivas em que continente e conteúdo se alternam e se contrapõem. “É uma poesia em que a imagem, aparentemente plana, aos poucos se abre em recortes e vazados por onde o leitor (também um espectador) é atraído para camadas profundas das palavras, dos ritmos e da poderosa visualidade que sedimenta sua obra”, revela a organizadora. Os desenhos a nanquim do ateliê, que aparecem na abertura e no encerramento, também são de autoria de Dala Stella e foram feitos especialmente para este livro.
A natureza
A presença da natureza, representada na obra por uma pluralidade de elementos simples – aves, árvores, chuva, sol, estrelas, grão de areia –, poderia beirar o bucólico, caso não fosse ampliada em dimensões cósmicas ou em estados de alma. O poeta constata com espanto as manifestações da natureza: voejam pararus, urubus, sabiás, pintassilgos; a lesma se arrasta sobre o mármore, a libélula esplende em vitral e a aranha tece, como o tempo. “São pequenos animais a significar enigmas da vida e da arte”, define Marta.
A subjetividade e o silêncio
A poesia de Dala Stella produzida neste estágio de sua obra artística incorpora uma visão madura aos questionamentos sobre a subjetividade, uma das linhas mestras temáticas de sua escrita. Há uma aceitação tranquila da singularidade entre os mortais e uma inquirição constante da individualidade em face do universo.
Segundo Marta, essa busca dos sentidos do mundo e do tempo, esse indagar os vazios e os silêncios como repositórios de respostas e de beleza acabam por conferir à poesia de Carlos Dala Stella a marca indelével de uma poética de inquirição, de comunhão estelar, de denúncia dos desacertos do homem em sociedade, de incompletudes pessoais e sociais. “Constrói, à semelhança de Bach, uma arte como fuga, isto é, uma composição polifônica no contraponto de conjuntos temáticos”, define a organizadora.
O silêncio, presente em diversos versos do poeta, é também o título da poesia que encerra a obra. Para Dala Stella, “A arte muda da fuga” chama a atenção pela polifonia de percepções e materialidades verbais de que é feito cada poema. “Um poema não é uma linha reta entre o que o poeta sente, ou pensa, e a expressão desse sentimento ou dessa ideia. É no percurso da escrita que o sentimento de mundo se dá, num espelhamento interno e externo sem o qual a vida resultaria num simples artefato de palavra, desprovido da animação que lhe é tão cara. Um poema é um pequeno percurso de linguagem onde a vida, misteriosa e engenhosamente, se dá. A linha reta, em poesia, é sempre curva”, diz o poeta.
a arte muda da fuga
o silêncio sempre foi
meu maior interlocutor
qualquer coisa que eu diga
um monossílabo que engula
ele ouve e sopesa
por mais que eu grite
para dentro e sufoque
um substantivo, ele me acolhe côncavo e atento
mesmo que eu sopre pérolas inaudíveis, ele recupera a concha nunca o silêncio me foi indiferente, cada vez mais interfiro na trama
de seus fios transparentes
quem sabe dessa parceria
um dia não surja
a arte muda da fuga
silêncio
o bom de pensar é que depois vem o silêncio
não o silêncio absoluto da morte
mas esse silêncio – relativo –
cheio de vida
que de repente faz todo sentido
Sobre Carlos Dala Stella
Carlos Dala Stella nasceu em 1961, no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba. É poeta, artista plástico e também contista. Formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, dedica-se ao desenho desde a década de 80, quando expôs na Itália. Publicou os livros “O caçador de vaga-lumes” (poemas, 1998), “Riachuelo, 266” (contos e crônicas, 2000), “Bicicletas de Montreal” (fotografia e outras artesvisuais,2002) e “Ogatosemnome” (poemas, 2007). Foi finalista do Prêmio Jabuti em 2012 na categoria Ilustração com o livro “Quer Jogar?” (livro ilustrado, 2011). Nas artes, o autor transita por murais de cimento e vidro, telas, retratos a lápis, nanquim e esculturas em papel, mas é nos cadernos de ateliê que cotidianamente escreve e desenha.
Sobre Marta Morais da Costa
Marta Morais da Costa é crítica literária, escritora e professora. É doutora em literatura pela USP. Nasceu em Ouro – Santa Catarina, em 1945. É graduada em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e tem Mestrado e Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Professora desde 1965, lecionou no Colégio Estadual do Paraná, entre outras escolas. É professora da UFPR e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Sempre considerou o estudo uma forma prazerosa de viver, o que veio a se estender ao ensino, em sua atividade no magistério. O interesse pelo teatro e pela literatura, principalmente vistos pelo olhar crítico, a fez produzir textos por encomenda ou por interesse pessoal.
Sobre a Obra
A arte muda da fuga é uma seleção criteriosa de 108 poemas de Carlos Dala Stella, feita por Marta Morais da Costa, doutora em literatura, a partir de um conjunto com aproximadamente duas mil páginas de textos, desenhos, recortes e colagens do ateliê do poeta e artista plástico. As imagens do livro são pistas sobre o processo criativo do autor, que escreve e desenha cotidianamente em seus cadernos ilustrados há 39 anos. 160 páginas. Preço sugerido: R$ 43,90.
Sobre a Editora Positivo
Fundada há 39 anos, a Editora Positivo tem a missão de construir um mundo melhor por meio da educação. Tendo as boas práticas de ensino como seu DNA, a Editora especializou-se ao longo dos anos e tornou-se referência no segmento educacional, desenvolvendo livros didáticos, literatura, sistemas de ensino e dicionários. A Editora Positivo está presente em milhares de escolas públicas e particulares com os seus sistemas de ensino.