Paulo Leminski é um dos baluartes da contracultura brasileira e se consolidou como um dos nomes mais importantes e vibrantes da literatura brasileira. Influenciado pela vida, o escritor, que teria completado 78 anos em 2022, experimentou diversas linguagens artísticas com uma rica obra poética, de prosa experimental, tradução, ensaios e composições musicais. Esse trabalho tão plural inspirou criadores de diversas gerações e estilos, indo da música até os quadrinhos – é o caso do premiado quadrinista e também cantor Camilo Solano (Cidade Pequenina, Cascão: Temporal), que desenvolveu a arte acima exclusivamente para marcar a efeméride. Até hoje, diversos criadores provam que as palavras do poeta se renovam e se reinventam.

Para conhecer mais a obra de Leminski: https://pauloleminski.com.br 

“Sempre me atraiu na poesia do Paulo Leminski o equilíbrio entre rigor e desprendimento, densidade e leveza. E a musicalidade, claro. Mas só vim a musicar um poema dele, ‘O velho Leon e Natália em Coyoacán’, no final da década de 1990. Talvez o fato de ele também compor tenha me intimidado até então. Um tempo depois musiquei ‘Uma carta uma brasa através’, e ainda me inspirei nele para construir um personagem do meu livro ‘A primavera da pontuação’. Com isso perdi a timidez de vez. Durante a pandemia vivi uma espécie de leminskíada: em menos de um mês compus mais treze canções a partir de poemas dele. Um verdadeiro surto. Gosto cada vez mais da poesia deste que hoje é um dos meus parceiros mais frequentes. Ele não para de escrever. Posso pixar com convicção numa parede aqui de casa: Leminski vive!”, celebra o cantor, compositor, escritor e poeta Vitor Ramil.

Ouça “O Velho Leon e Natália em Coyoacán” por Vitor Ramil: https://youtu.be/JKb7sGU7cdw 

“Tem essas diferentes vertentes (da cultura e da contracultura; do repertório mais intelectualizado e da cultura de massas) que, no caso de muitas pessoas, se opõem, mas na minha formação se conjugaram e se atritaram de modo a criar curtos-circuitos muito férteis. Um poeta que viveu entre essas pontes foi o Paulo Leminski, que chegava à minha casa de casaco de couro para ouvir um disco de rock do The Clash, por exemplo, mas que tinha uma cultura clássica enorme. Era leitor de Homero, Dante, Camões, tinha um conhecimento da cultura oriental impressionante, dos poetas da antiguidade chinesa, dos haicais, da tradição do zen, além de ser faixa preta de judô. E ao mesmo tempo curtia rock e todo o panorama de possibilidades que a cultura pop introduziu. Creio que essa cultura clássica convivia sem traumas com a atitude comportamental irreverente, com a paixão pela contracultura e tudo que cercava o universo do rock and roll. Eu me sinto muito identificado com ele, nesse sentido”, conta em depoimento o cantor e compositor Arnaldo Antunes, que tem como um dos grandes sucessos de sua carreira solo uma canção composta por Paulo: “Luzes”.

Assista a “Luzes” na voz de Arnaldo Antunes: https://youtu.be/ie7KJrgyiUk 

Apaixonado pelas formas de artes marginalizadas e impressionado com a cultura do graffiti, o autor fez sua obra ecoar nas comunidades cariocas. É o que conta o rapper, compositor e tradutor Jeza da Pedra: “Minha primeira lembrança de Leminski foi em algum compilado de poesia marginal que li na adolescência e me deixou embasbacado. Leminski, o erudito e desbundado — parafraseando Waly Salomão —, é a representação da poesia que saiu das margens dos livros pra rua, nos muros, no pixo, no lambe-lambe, nas marginais e na marginália. A meu ver Leminski está para o nosso cânone marginal o que Ginsberg está pra contracultura norte-americana, só que num mix pop de tao te ching com literatura fantástica”, resume Jeza.

Nascido em Curitiba em 1944, Paulo fez de sua vida uma busca pelo sublime. Seja pela procura religiosa, vinda da vontade de ser monge que o levou a passar parte da juventude em um mosteiro, até a filosofia zen que marcou sua obra, passando pelo minimalismo do dia a dia dos haicais. A forma poética japonesa, aliás, teve no autor um de seus grandes divulgadores no Brasil. 

Em 1975 começa uma série de lançamentos de trabalhos que se tornaram marcos na literatura brasileira com “Catatau”, em prosa, e dos escritos poéticos independentes  “Quarenta clics em Curitiba” (com o fotógrafo Jack Pires) em 1976 e “Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase” e “Polonaises”, ambos de 1980. A repercussão destes trabalhos foram base para o seminal “Caprichos e relaxos” (1983). Quatro anos depois lança seu último livro em vida, o cultuado “Distraídos venceremos”.

Sobre “Caprichos e Relaxos”, Caetano Veloso – que havia acabado de gravar “Verdura”, composição do autor em seu álbum “Outras Palavras” – disse ao escrever sua sinopse. “Esse livro de poemas é uma maravilha, porque os poemas do Leminski são muito sintéticos, muito concisos, muito rápidos, muito inspirados. Ele é um sujeito gozado. É um personagem muito único, no panorama da curtição de literatura no Brasil. Eu acho um barato. Leminski tem um clima/mistura de concretismo com beatnik. Que é muito legal. “Verdura” é um sonho. É genial. É um haikai da formação cultural brasileira. Deve ser instigante para os poetas do Brasil o aparecimento desses novos poetas todos. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram”, sentenciou à época.

Ouça “Verdura” na voz de Caetano Veloso: https://youtu.be/fEUTQgUky5s 

Já o cantor e compositor cearense Gabriel Aragão, conhecido por seu trabalho ao lado da banda Selvagens à Procura de Lei, foi impactado pela obra de Leminski de um modo inusitado. “Eu já curtia fazer poesia e mas meu processo de crescimento dentro dessa forma de arte foi atropelado pela carreira do Selvagens. E eu me lembro que estávamos  em uma das nossas primeiras turnês em São Paulo quando vi pichada uma frase que me marcou muito: ‘distraídos venceremos’. Essa frase ficou dias na minha cabeça e inspirou uma das músicas do nosso segundo álbum! Só quando já estávamos finalizando que conheci o livro. Sempre conto que era fã da obra do Leminski mesmo sem nem saber que era”, reflete ele, que acaba de lançar sua primeira obra de poesia, “O livro das impermanências”.

Ouça “O Amor Existe, Mas Não Querem Que Você Acredite”, da Selvagens à Procura de Lei: https://youtu.be/uicG9O_T-BI 

As palavras de Leminski enquanto força poética presente quase no imaginário coletivo fazem parte da jornada artística do gaúcho radicado no Rio Almir Chiaratti e do brasiliense de nascença e curitibano de coração Leo Fressato.

“O ano era 2003 e no ensino médio eu tinha um professor de literatura chamado Glaucio Cardoso. Morador da Baixada, Glaucio falava com tanta paixão sobre poesia, teatro e artes que me trouxe Bandeiras, Leminskis e Machados. Foi ali que começou, mas só fui entender o poder dessa força chamada educação/, quase 20 anos depois quando decidi, após 2 discos lançados, fazer meu primeiro livro de poemas e percebi o quão infiltradas em mim estavam as liberdades que a obra desses autores, e desse professor, me permitiram”, conta Almir, que lançará o livro “Fissão” ainda este ano.

Compositor, poeta e ator, Fressato foi impactado por Paulo em todas as fases de seu trabalho. “Comecei minha carreira como poeta e Leminski é um dos principais de Curitiba e acaba influenciando muitas pessoas daqui. Eu gosto muito porque, por mais que seja de muita profundidade, a arte dele tem uma fácil absorção pelo público. Quando comecei no teatro na adolescência, fui muito impactado por obras dele em outras mídias. Sinto que me conectei com a obra de Leminski por muitos modos, ela sempre esteve aqui”, ele diz.

Em 2013, a carreira do escritor ganhou um renascimento com a cultuada coletânea “Toda Poesia”, best-seller com as obras poéticas completas, organizada por Alice Ruiz, que acompanhou toda a produção de sua obra. Esse trabalho apresentou o autor para toda uma nova leva de leitores. 

“Conheci Leminski ainda no final da adolescência, início da vida adulta, quando ainda não tinha tantas pretensões artísticas mas já escrevia muito, muita poesia. Sempre gostei da palavra, do poder da síntese e amplificação dos sentidos internos, quando organizadas em poesia. Então foi aquele choque de ‘como não havia conhecido isso antes?’. Depois de mergulhar no ‘Toda Poesia’ e conhecer um pouco do trabalho também escoado em forma de música, por ‘Luzes’, gravada por Arnaldo Antunes, fui tomando ainda mais apreço. Quando um pouco mais à frente, reencontro ‘Dor elegante’ de Leminski no álbum ‘Pretobrás’ de Itamar Assumpção foi mais um impacto e deslumbre. A identificação que chega pelo conteúdo lírico e passa também pela forma que entrega, já que, como compositor, sempre é algo que me chama atenção. Leminski é atemporal e está vivo nas cabeças feitas por sua poesia”, reflete o compositor vencedor do Prêmio Multishow DOSSEL.

Ouça “Dor Elegante” por Itamar Assumpção: https://youtu.be/I2Z5F44jd9A 

Como tradutor, Leminski trouxe para nossa língua textos de autores plurais como Matsuó Bashô, Beckett, James Joyce e John Lennon. Como compositor, escreveu mais de 100 canções e teve suas composições gravadas por grandes nomes. Em 2015, sua filha Estrela Leminski compilou as canções do pai em um livro com partituras e cifras que podem ser baixadas de modo gratuito.

Confira uma playlist com faixas icônicas de autoria do poeta: https://spoti.fi/3PIL7Pl 

Baixe o livro de canções de modo gratuito: http://www.pauloleminski.com.br/songbook/livro-cancoes-paulo-leminski.html 

“Meu pai compôs demais, a carreira dele de compositor correu paralelamente e tão intensamente quanto literária. Participou ativamente do Tropicalismo, da Vanguarda Paulista e da cena MPB e rock Curitibana. Eu montei um show com esse repertório, depois um CD duplo chamado ‘Leminskanções’, usando as próprias referências musicais dele e o jeito que ele cantava em casa. Parceiros fizeram discos, como Marinho Galera, Blindagem e Celso Loch. Por outro lado, eu vi que ainda tinha muita coisa inédita, muito legal, que estava de fora. Então foi essencial fazer um livro de canções, que ainda por cima tivesse o relato de quem também conviveu com esse aspecto compositor dele, como Zé Miguel Wisnik, Paulinho Boca de Cantor, Carlos Careqa”, conta Estrela. “Para gente é fundamental isso tudo ser de fácil acesso e que possa propagar esse lado compositor que ele tanto se orgulhava. Depois disso está sendo possível canções inéditas gravadas, como ‘Energia Solar’, pela Bruna Lucchesi. E o próprio sucesso literário ofusca o seu lado musical: muita gente musicou seus poemas postumamente. Cada poema deve ter umas três canções pelo menos. Então é importante as pessoas saberem o que ele criou em vida”, completa.

Ouça o álbum “Leminskanções”, de Estrela Leminski: https://youtu.be/UBBEM8xPDwg 

Assista ao vídeo ao vivo da canção “Ah Você Amigo”, de autoria do poeta, por sua filha Estrela Leminski ao lado de Téo Ruiz: https://youtu.be/wN-zRYyNqRI 

Neste ano, seu trabalho ganha edições em todo o mundo com publicações na Itália, Espanha, Argentina e Estados Unidos. Para os fãs brasileiros, a exposição Meu Coração de Polaco Voltou com curadoria de Estrela e sua irmã Aurea Leminski está em cartaz no Litercultura em Curitiba até o domingo 28/08 e a mostra Múltiplo Leminski abre em outubro em Porto Alegre, no Centro Cultural da UFRGS, após circular por treze cidades no Brasil e no exterior nos seus 10 anos de existência.

Confira mais informações sobre a exposição Múltiplo Leminski: https://multiploleminski.com.br 

“A obra de Leminski é atemporal e continua conversando com os diversos públicos. A cada montagem da mostra vamos redescobrindo e ressignificando aspectos da produção deste artista múltiplo”, destaca Aurea.