Com a mostra “Núcleo Saturno”, espaços expositivos reabrem reunindo obras de Francisco Brennand, em meio a intensa programação cultural e melhorias estruturais alcançadas nos últimos anos 

Ambiente criado por Francisco Brennand na década de 1970 para reunir sua produção cerâmica em espaço coberto, os Salões de Esculturas se tornaram ao longo de décadas um dos principais ambientes expositivos da Oficina Francisco Brennand. E é com a simbólica reabertura desses espaços, após 18 meses desativados, que a instituição celebra o seu 4º ano como instituto, fundado em 2019. Ao longo desses anos, a Oficina tem empreendido esforços significativos em direção à modernização e reestruturação das suas instalações, estabelecendo um modelo de gestão sustentável, explorando todo o potencial do espaço e de seu acervo.

Com abertura ao público no próximo sábado (7) – neste dia a Oficina terá bilheteria gratuita para todos os públicos -, os Salões de Esculturas são compostos por dez ambientes expositivos distintos, com conjunto de salas, corredor de murais de cerâmica, além de um anfiteatro e fornos da antiga Cerâmica São João (que precedeu o que veio a se tornar o ateliê de Francisco Brennand em 1971).  Com um acervo de mais de 500 obras, os salões reabrem  preservando a composição espacial e artística deixada pelo artista, com criações já conhecidas do público que ocupavam o espaço anteriormente, mas trazem novidades de acervo e, especialmente, na curadoria.

Foto: Rennan Peixe

Atendendo a um desejo de Francisco Brennand, que nutria o anseio de contar com um processo de curadoria de seu trabalho neste espaço expositivo, o primeiro salão se curva a uma experimentação expográfica de obras produzidas entre as décadas de 1970 e 2010. Sob curadoria de Rita Vênus, a sala se torna o “Núcleo Saturno”, dedicado à genealogia do deus pagão Saturno – tema profundamente conectado à poética do artista, dos seus interesses nas narrativas clássicas de criação dos mundos e seus desdobramentos na cerâmica. 

Das franjas mitológicas de Saturno, a perspectiva astrológica do planeta homônimo também se faz presente, dispondo as obras no salão em forma de órbita elíptica, e que sob o olhar da Úbris trazem representações de corpos despedaçados, decapitados, deformados e figuras trágicas, como Lara, Jó, Ofélia, Hália e Antígona. Além disso, também estão presentes configurações industriais como garrafas, bules, pregos, porcas e parafusos incorporadas às obras, criando uma experiência artística única junto à complexidade e o simbolismo associados aos Saturnos nas criações de Francisco Brennand.

“Francisco tinha um interesse mitológico, e isso é perceptível em parcela significativa das suas obras. Era como se ele olhasse o céu para criar o universo cerâmico na terra. As obras dispostas no primeiro salão remetem ao gesto violento do Saturno que, no enredo mitológico, castra com foice o próprio pai, Urano, e devora até os filhos, recaindo assim na Úbris, a ação desmedida”, frisa Rita Vênus, curadora da exposição.

Foto: Rennan Peixe

Nesse processo curatorial, de análise do legado artístico para compor a reabertura do ambiente, foi resgatada a estrutura de tapetes cerâmicos concebida pelo artista a partir dos anos 1970 como suporte expositivo das obras. São composições raras, com variedade de cores, dimensões e texturas, a maioria delas originadas da queima a óleo em um forno tipo túnel. Os murais de cerâmica também são destaque nos Salões, compondo os corredores, em uma experiência visual que deita luzes nas experimentações de Francisco Brennand com diversos materiais ao longo de diferentes fases de sua vida.

“A reabertura dos Salões de Esculturas galvaniza esse momento em que a Oficina volta a oferecer ao visitante toda a sua potencialidade de ambientes expositivos após um longo período de reestruturação do espaço físico. Em especial, no último ano, com as consequências das intensas chuvas do inverno de 2022. Nesse período, trabalhamos para melhorar toda infraestrutura do equipamento com dois objetivos: a proteção de visitantes e funcionários e a devida salvaguarda do acervo de esculturas de Francisco Brennand”, pontua Marcos Baptista, presidente da Oficina Francisco Brennand.

Foto: Rennan Peixe

Quatro anos: várias conquistas e muitos avanços

Em apenas quatro anos desde a transformação em instituto, a Oficina Francisco Brennand alcançou importantes feitos em seu compromisso com a educação, pesquisa, infraestrutura, comunicação, gestão, sustentabilidade, residências artísticas, exposições, entre outras atividades institucionais. O objetivo é criar instrumentos constantes para que cada vez mais o instituto se transforme em um espaço de diversidade artística e oportunidades.

Mesmo sob o impacto de inércia que a pandemia impôs aos equipamentos culturais, a instituição instrumentalizou o seu olhar para novos diálogos e públicos como reduto de resiliência. Nos últimos quatro anos, a OFB recebeu mais de 70 mil visitantes, atendeu mais de 6 mil pessoas em seu programa educacional, e gerou mais de 150 postos de trabalhos diretos e indiretos pelas atividades no Instituto. Essas e outras conquistas foram possíveis graças à realização de diversas atividades e eventos que mobilizaram a classe artística e a comunidade, bem como à implementação de melhorias estruturais, como a reestruturação da reserva técnica e realocação de quase 13 mil itens que compõem o acervo museológico, documental e bibliográfico do espaço.

“Para além do simbolismo dessa reabertura, com melhoria na infraestrutura, organização da governança e institucionalidade, uma grande conquista da Oficina Francisco Brennand foi essa diversificação de sua programação, com novos temas e debates dentro do território da oficina, adotando as melhores práticas de museus do mundo. Coroam esse movimento ainda neste ano, no aniversário da Oficina (11/11), a abertura de duas exposições simultâneas. Uma inédita do artista visual Ernesto Neto, com curadoria de Clarissa Diniz, que ocupará o espaço Estádio, e outra mostra com curadoria de Marcelo Campos, integrando obras de Brennand a outros artistas. São duas situações inéditas por aqui, e que embora aconteçam em 2023, vêm sendo construídas desde 2021”, complementa Marcos Baptista.

Ainda nesse cenário de diálogos está o projeto “Ocupa Oficina”, com apresentações, intercâmbios e encontros com artistas, coletivos e grupos culturais na Oficina; a colaboração com o Grupo Boi da Mata para estabelecer as “Trilhas do Capibaribe”, proporcionando experiências de trilhas ecológicas na floresta que abriga o museu. O lançamento do projeto “Imersão”, que oferece práticas teóricas e artísticas conduzidas por convidados renomados ao longo de dois dias, entre outras iniciativas. E o programa de Residência Cultural, na capital pernambucana, e da Bolsa Residência Internacional em Nantes, na França, para artistas moradores da Região Metropolitana do Recife. 

Para garantir a sustentabilidade das atividades culturais da Oficina, a instituição conta com a Cerâmica Brennand, uma linha de peças decorativas e utilitárias, produzidas por artesãos e artistas, que continuam a produzir itens únicos inspirados na rica iconografia do artista Francisco Brennand. Os lucros são integralmente direcionados à Oficina, contribuindo para a manutenção das iniciativas culturais realizadas no espaço cultural.

Serviço:
Reabertura dos Salões de Esculturas da Oficina Francisco Brennand
A partir de 7/10 (neste sábado, a entrada será gratuita)
Funcionamento: terça a domingo, das 10h às 18h;
Bilheteria aberta até as 17h.
Público geral: ingressos R$ 50,00 e R$ 25,00 (meia).
Residentes de Pernambuco: ingressos R$ 40,00 e R$ 20,00 (meia).

Propriedade Santos Cosme e Damião – R. Diogo de Vasconcelos, S/N – Várzea
Informações:
 (81) 2011-5466

Sobre o Instituto Oficina Francisco Brennand – Transformado em um instituto cultural sem fins lucrativos em 2019, a Oficina atua para preservar o legado do artista Francisco Brennand, ao passo em que fomenta e difunde práticas artísticas, educativas e culturais contemporâneas. No coração da Mata da Várzea, na capital pernambucana, a Oficina salvaguarda um amplo conjunto de obras do artista, distribuídas em espaços expositivos, jardins – um deles projetado por Roberto Burle Marx – e reserva técnica. Fundada em 1971, a Oficina compreende também edificações fabris, ateliês e uma capela, cuja reforma é de autoria dos arquitetos Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Colonelli, instalações de atendimento ao público, como café e loja, e unidade de apoio localizada no Bairro do Recife, na Casa Zero.