Em forma de contramanifesto, livro abre caminho para uma revolução do feminismo baseada no respeito às diferenças raciais e culturais
Em um cenário no qual o mundo vê com preocupação a situação das mulheres afegãs após o retorno do Talibã ao poder, o clamor por mais diversidade no feminismo ganha força com a inclusão de novas questões identitárias. Uma das vozes mais potentes dessa renovação é a pesquisadora Rafia Zakaria, autora de Contra o feminismo branco, que chega às livrarias em outubro pela Intrínseca. Ela expande a reflexão sobre o movimento feminista ao expor que as demandas das mulheres de pele negra e marrom são muito mais complexas.
Desde sua origem, o feminismo se baseou na experiência de mulheres brancas de classe média e alta, que há muito se autoproclamaram as especialistas no assunto. São elas que escrevem, palestram, dão entrevistas. Ao mesmo tempo, para manter seus privilégios, demarcam a branquitude do movimento ao sobrepor suas falas às das mulheres de outras etnias. Rafia Zakaria critica essa postura dentro do feminismo e explica “porque intervenções que simplesmente acrescentam mulheres negras, asiáticas ou marrons às estruturas existentes não funcionaram”.
Por meio de uma contundente argumentação, a autora revela como são estimuladas e preservadas as engrenagens que mantêm a imagem de feministas brancas como salvadoras. As mulheres de cor,* a partir da mesma premissa, seriam sempre aquelas que devem ser salvas. “A experiência do trauma é o ‘padrão’ para mulheres negras, asiáticas e marrons, como se a vitimização delas estivesse enraizada em suas culturas, enquanto o sofrimento de mulheres brancas é retratado como uma aberração, uma falha técnica, e a cultura branca, incluindo o feminismo que brotou dali, se assegura como superior”, afirma.
Além disso, Rafia Zakaria denuncia que a rebeldia é supervalorizada no feminismo branco, como se a resiliência trazida pela experiência do trauma não pudesse ser uma força motriz para a transformação. “O sofrimento das minhas ancestrais maternas é categorizado, assim, como um impulso pré-feminista, equivocado, ignorante e incapaz de conquistar mudanças. Nenhuma atenção será dada às feministas paquistanesas, exceto se elas fizerem algo reconhecível dentro da esfera da experiência de feministas brancas — andar de skate usando seus turbantes, marchar com cartazes, escrever um livro sobre sexo, fugir para o Ocidente”, dispara.
Contra o feminismo branco é, portanto, um contramanifesto que insere as experiências de mulheres de cor no centro do debate. Com uma escrita direta e impactante, Zakaria questiona desde pensadoras como Simone de Beauvoir a produtos culturais como Sex and the City. Ao longo da sua potente reflexão, a autora mostra como “mulheres brancas tomaram para si o direito de falar por todas as mulheres, ocasionalmente permitindo que uma mulher de cor fale, mas apenas quando ela consegue fazê-lo no tom e na linguagem da mulher branca, adotando as prioridades, as causas e os argumentos da branquitude”.
Muçulmana, advogada e filósofa política, a autora acredita que o diálogo só será possível quando todas as mulheres estiverem em patamares iguais. E é partindo do princípio de igualdade na diversidade que Rafia Zakaria defende uma reconstrução do feminismo.
* Nota da tradução:
Embora o termo “de cor” em português tenha recebido uma carga depreciativa, decidimos traduzir dessa forma o termo inglês “of color”, retomando o uso político historicamente estabelecido por ativistas antirracistas brasileiros. Entendemos que a tradução precisava visibilizar a multiplicidade étnico-racial e os processos políticos relacionados ao termo, e a utilização de qualquer outra expressão, como “não branca” ou “racializada”, seria contraditória em uma obra que aborda justamente a forma como pessoas brancas são sempre colocadas como referencial em algumas discussões, marginalizando outras raças e etnias.
“Ao lidar com ideias filosóficas complexas, Zakaria constrói com clareza um argumento impecável quanto à necessidade de reconstruir o feminismo do zero.” — Publishers Weekly
“Uma forte defesa da transformação de antigas estruturas de poder e uma contribuição valiosa para os estudos feministas e ativistas.” — Kirkus
“Zakaria expõe em termos claros e inabaláveis os danos que o feminismo branco tem causado, e exorta os leitores a se comprometerem com um feminismo verdadeiramente coletivo e global.” — Booklist
RAFIA ZAKARIA é uma escritora, advogada e ativista dos direitos humanos que trabalhou pelas vítimas da violência doméstica no mundo todo. Ela é colunista dos jornais Al Jazeera America e DAWN, o maior jornal paquistanês em língua inglesa, e escreveu muitos ensaios para veículos como The Guardian e The New York Times Book Review. A autora nasceu e cresceu em Carachi, no Paquistão, e hoje vive entre o Paquistão e os Estados Unidos, onde trabalhou no conselho de administração da Anistia Internacional.
CONTRA O FEMINISMO BRANCO, de Rafia Zakaria
Editora Intrínseca
Tradução: Solaine Chioro e Thaís Britto
Páginas: 304
Livro impresso: R$ 49,90
E-book: R$ 34,90