Lançado em dezembro último, gravado e produzido durante a pandemia em suas próprias residências, grupo carioca bebe na fonte da irreverência do próprio Poeta da Vila, ao dissabor dos puristas
Em pouco menos de um mês do seu lançamento, o EP “Nos Passos de Noel”, do grupo carioca Salvadores Dali, já vem bifurcando opiniões: de um lado, os admiradores da estética livre e da obra aberta – ou seja, a arte em constante mudança – e, de outro, os adeptos mais puritanos, que rejeitam releituras que “maculem” a obra do autor. Mesmo que passeatas contra a guitarra elétrica estejam fora de moda nos dias de hoje, de fato correntes mais tradicionalistas sempre existirão, e os Salvadores Dali aceitaram o desafio, festejando os 110 anos do nascimento do seu guru com seu segundo álbum, e quatro videoclipes. O EP “Nos Passos de Noel” e dois videoclipes já estão disponíveis nas plataformas digitais, com a previsão de lançamento dos demais vídeos neste primeiro semestre.
O EP redesenha as linhas melódicas originais a partir de grooves de baixo e bateria, do som marcante dos metais e dos acordes agora distorcidos pela guitarra. Formado por Guilherme Logullo (vocais), Jorge Moraes (contrabaixo), Robson Batista (sax), Jorge Casagrande (bateria) e Márcio Meirelles (guitarra), o grupo traz Noel, portanto, para um universo pulsante, atualizando musicalmente a narrativa alegre que o compositor faz de sua época, apostando na perenidade da música popular brasileira, resgatando para as novas gerações o autor e sua importância na história musical do país.
Sobre a polêmica, o baixista e co-produtor Jorge Moraes discorre de forma enfática: “nós sabemos que cada obra é produzida segundo as limitações materiais de uma época e é percebida de acordo com um modo de apreciação daquela época. Por exemplo, as primeiras gravações em fonógrafos no século XIX eram limitadas a áreas de ópera, porque era necessária uma potência vocal tremenda para realizar cada registro gravado.. não havia microfones e se não fossem inventados talvez nunca tivéssemos um João Gilberto cantando. Não podemos ignorar essa base material histórica a partir da qual as artes são produzidas. Isso quer dizer que se Noel vivesse hoje, ele usaria os recursos do século XXI para fazer sua música. E isso não diminui em nada a música que ele produziu há 90 anos atrás”. E prossegue: “ao contrário, estamos traduzindo Noel para um jovem que nasceu no século XXI, porque o modo de percepção hoje inclui uma gravação absolutamente limpa, com uma orquestração que inclui todos os instrumentos que podem estar disponíveis(….)a produção das artes está sempre em movimento, exportando e importando influências o tempo todo. Pixinguinha, por exemplo, um dos maiores arranjadores de sua época foi influenciado pelo jazz de Louis Armstrong e trocou a flauta pelo sax depois de uma turnê na França, país de origem do saxofone, que, diga-se de passagem, não era considerado um instrumento sério na época e demorou a ser integrado às orquestras sinfônicas. O sax de Pixinguinha era a nossa guitarra de hoje”.
Elaborado durante a pandemia, o novo EP foi produzido totalmente em isolamento social, através de aplicativos de comunicação, armazenamentos virtuais e todos os recursos digitais disponíveis, inclusive a partir de várias reuniões e gravações feitas pelo celular. Abrindo o EP, “3 Apitos”, recebe interpretação teatral do vocalista Guilherme Logullo, além do frescor do sax de Robson Baptista, intensificando o conhecido humor do compositor e resultando em um rock que lembra as sonoridades da década de 80.
Seu primeiro sucesso, composto em 1929, “Com que Roupa” recebe vibrantes tinturas de jazz e blues rock, com direito a solos de sax e do baterista Jorge Casagrande. Composição de 1934, “Tipo Zero” reaparece com groove sofisticado e frases rítmicas inteligentes, subvertendo o samba de Noel e resultando num rock leve, animado e vigoroso. O balanço do funk e do soul brasileiro viram do avesso a outra pérola de Noel, “Palpite Infeliz”, uma de suas composições mais regravadas na MPB, e que aqui ressurge com frescor e singularidade.
Salvadores Dali
O grupo carioca é fruto de uma amizade que nasceu há mais de 30 anos, quando o baixista Jorge Moraes e o compositor Nelson Ricardo montaram uma banda de rock para tocar na escola em meados dos anos 80. Não imaginavam que retomariam o plano original do grupo em 2015. Inicialmente, deveria ser apenas um registro de uma época, porém se tornou um promissor projeto musical devido à qualidade das gravações iniciais. Retomaram canções perdidas da adolescência, com uma atualização nos arranjos elaborados pelo grupo que ganhou o reforço nos vocais de um dos atores-cantores mais requisitados do Teatro Musical, Guilherme Logullo, protagonista de espetáculos como “Nelson Gonçalves – O Amor e O Tempo” e “Bibi – Uma Vida em Musical”; do baterista Jorge Casagrande, diretor de uma das escolas de bateria mais conhecidas do Rio de Janeiro; do produtor e arranjador Marcio MM Meirelles nas guitarras; e do saxofonista Robson Batista.
Com a formação consolidada, os Salvadores Dali resolveram lançar um álbum em 2019. Dentre as oito canções do disco de estreia, “3 Apitos” já indicava o início do namoro com a obra de Noel que agora ganha vida com o EP “Nos Passos de Noel”.
Para ouvir o EP “Nos Passos de Noel”:
Spotfy: spoti.fi/2Lt7Qn6
Deezer: bit.ly/3bsy6JB
Assistir aos videoclipes:
3 Apitos: https://bit.ly/35gYthI
Tipo Zero: https://bit.ly/3hP67oh