Por Frederico Amaral

Recentemente, tributaristas de todo o Brasil foram surpreendidos com a NOTA SEI nº 21/2022/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME. Com uma interpretação bastante questionável, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional alterou seu entendimento acerca da possibilidade de restituição do PIS e COFINS nas vendas a varejo de cigarros e cigarrilhas, impactando milhares de pedidos de restituição já protocolados. Diante deste novo entendimento, é essencial entender melhor este novo cenário e analisar as estratégias possíveis.

De acordo com a legislação atual, os cigarros e cigarrilhas revendidos no varejo se sujeitam ao regime de substituição tributária do PIS e da COFINS, através do qual os fabricantes e importadores recolhem estas contribuições na condição de contribuintes e substitutos dos comerciantes atacadistas e varejistas.

A base de cálculo do PIS e da COFINS, devidos pelos fabricantes e importadores de cigarros e cigarrilhas, é obtida mediante a multiplicação do preço fixado para a venda do produto no varejo, multiplicado pelos coeficientes de 3,42 e 2,9169, respectivamente (Art. 62 da Lei nº 11.196/2005). Ocorre que o preço de venda no varejo de cigarros é muito inferior a base de cálculo presumida, fazendo com que o governo receba valores indevidamente que não correspondem ao tributo realmente devido. Afinal, os parâmetros fixados por estimativa não se concretizaram no ato da venda ao consumidor final.

A discussão acerca da venda por um valor menor do que aquele utilizado na presunção alcançou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Plenário, os quais por maioria, decidiram que “é devida a restituição da diferença das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) recolhidas a mais, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior à presumida”. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 596832, com repercussão geral reconhecida (Tema 228).

De acordo com o entendimento, não tendo sido verificado o fato gerador ou constatada a ocorrência de modo diverso do presumido, há o direito à devolução, pois tratando-se de antecipação, é inerente que, mais adiante, haverá um encontro de contas para saber se os parâmetros fixados por estimativa se tornaram concretos, como acontece relativamente ao Imposto de Renda.

Assim, é impróprio potencializar uma ficção jurídica para, a pretexto de atender a técnica de arrecadação, consagrar “verdadeiro enriquecimento ilícito” por meio do recebimento de quantia indevida pelo ente público que está compelido a dar o exemplo. “Há vedação peremptória à apropriação, pelo Estado, de quantia que não corresponda ao tributo realmente devido, consideradas a base de incidência e a alíquota das contribuições, bem assim os regimes de arrecadação”, afirmou o ministro Marco Aurélio em seu voto, seguido pela maioria do Plenário.

Com base nesse julgamento, a Receita Federal do Brasil emitiu a Nota COSIT/Sutri/RFB nº 446/2020, a qual concluiu que a decisão com repercussão geral exarada pela Suprema Corte é aplicável para o setor econômico de cigarros, onde existe a substituição tributária do PIS e da COFINS. Posteriormente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional emitiu o Parecer SEI nº 16.182/2021/ME, dispensando a PGFN de contestar e recorrer nesta matéria e reconhecendo que é devida a restituição da diferença das contribuições para o Programa de Integração Social – PIS e para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS recolhidas a maior, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior a presumida.

Assim, diante do julgamento do STF (RE 596832), da repercussão geral reconhecida (Tema 228), da Nota COSIT/Sutri/RFB nº 446/2020 e do Parecer SEI nº 16.182/2021/ME, as empresas varejistas que realizam a venda de cigarros, como postos de gasolina, padarias, lojas de conveniência e supermercados, desde que comprovem que os valores de venda foram inferiores aos presumidos, vêm pleiteando a restituição dos valores de PIS e COFINS recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos.

E como saber que o valor presumido (cobrado na indústria) está superior ao praticado no varejo? O preço sugerido é tabelado, e o cigarro não pode ser comercializado com o preço diferente da tabela. De acordo com o artigo 220 do Decreto nº 7.212/2010, cumpre aos fabricantes de cigarro assegurar que os preços de venda a varejo e a data de sua entrada em vigor sejam divulgados ao consumidor por meio de tabela informativa, identificada pelo símbolo do fabricante.

A legislação estabelece que os fabricantes e varejistas devem ter a documentação comprobatória da entrega e recebimento da tabela, sendo de responsabilidade dos estabelecimentos comerciais afixá-las e mantê-las em local visível ao consumidor. Sendo assim, o comerciante tem que praticar o valor exatamente igual ao valor descrito na tabela. Percebe-se que, quando da aplicação dos coeficientes de 3,42 (PIS) e 2,9169 (COFINS) sobre o preço de venda a varejo para determinar a base de cálculo efetuado pela indústria, fica evidente que a cobrança está muito superior ao que seria efetivamente recolhido pelo comerciante varejista.

Ocorre que, de forma contrária ao entendimento até então adotado pelo próprio órgão, em 19/10/2022, a PGFN emitiu a Nota SEI nº 21, alterando sua interpretação sobre o alcance da possibilidade de restituição de valores recolhidos a maior a título de PIS e COFINS mediante o regime de substituição tributária. Em resumo, o órgão passou a defender a inaplicabilidade de tal direcionamento ao comércio de cigarros e cigarrilhas, alegando que a possibilidade de restituição de PIS e COFINS sobre valores recolhidos a título de substituição tributária acontece sob dois aspectos: a não efetivação do fato gerador do tributo ou sua realização de forma diversa ao presumido. 

Entende a PGFN que, ao contrário dos sujeitos alvos do Tema 228 que efetuavam o recolhimento do PIS e COFINS sobre preços de venda estimados (Postos de Combustíveis), os substitutos tributários de cigarros e cigarrilhas utilizam para a base de cálculo do PIS e COFINS os preços de venda efetivos – que são inclusive tabelados – ao ponto que os coeficientes aplicados sobre tal valor tem caráter extrafiscal, por conta da nocividade do consumo destes produtos.

 Desta forma, a Nota determina que o varejista não possui legitimidade para solicitar a restituição do PIS e COFINS na venda de cigarros e cigarrilhas sob tal alegação. Perceba que a PGFN pretende aplicar o princípio da Seletividade ao PIS e à COFINS, o que é absurdo. Em verdade, o princípio da Seletividade determina que produtos, mercadorias e serviços sejam tributados em proporção inversa à sua essencialidade, e é aplicável, de acordo com a Constituição Federal de 1988, somente ao IPI (Art. 153, § 3º, I) e ao ICMS (Art. 155, § 2º, III).

Apesar de discordarmos totalmente de tal entendimento, é provável que os pedidos de restituição protocolados administrativamente sejam negados em função destes novos fatos. Assim, resta aos contribuintes lutar pelos seus direitos, seja no âmbito administrativo, seja no judicial.

Caso a opção seja pleitear a restituição dos valores de PIS e COFINS administrativamente, é bom ressaltar que haverá a necessidade de permanecer com o procedimento mensal, trimestral ou anual de pedidos de restituições, sob pena de se perder o direito a tais créditos em virtude da prescrição. Em caso de inércia do órgão público, após 360 dias do protocolo do processo, cabe a impetração de Mandado de Segurança para forçar a manifestação da Receita Federal do Brasil. Se negado o pedido de restituição, existe a possibilidade de discussão no âmbito administrativo, até a última instância do CARF.

A favor do contribuinte, existe a Lei nº. 13.988/2020, que extinguiu o antigo voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Até a publicação desta lei, em caso de empate, era proferido um “voto de minerva” pelo presidente do órgão. Ou seja, quando se alcançava o empate, o voto do presidente passava a valer por dois, conduzindo o desempate consoante o entendimento por ele manifestado. Agora, “em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”. Entretanto, em função das ADI 6403, 6399 e 6415 que correm no STF, não podemos afirmar que, à época do julgamento destes pedidos de restituição, a questão do voto de minerva permanecerá como é atualmente.

Por outro lado, é possível buscar o direito ao crédito de PIS e COFINS ST sobre cigarros pela via judicial. Este procedimento tem a vantagem de abarcar todo o período passado (cinco anos) e futuro. Além disso, se a estratégia adotada for a impetração de um Mandado de Segurança, elimina-se o risco de uma eventual sucumbência.

Deve-se atentar para o fato de que, ao escolher a via judicial, perde-se a possibilidade de discussão administrativa, que, atualmente, tem o voto de qualidade a favor do contribuinte, e que existe a possibilidade de não aceitação de um Mandado de Segurança, o que implicaria em assumir o risco de eventuais honorários de sucumbência. Por fim, nos casos em que já houve pedidos administrativos de restituição, há a possibilidade de prescrição de períodos anteriores a cinco anos da propositura da ação, se houver o entendimento de que o pedido administrativo não suspendeu tal prazo.

Em meio a tamanhas mudanças, é importante compreender a fundo este novo cenário para ter em mãos informações que auxiliem na tomada de decisão nas restituições de PIS e COFINS ST sobre cigarros e cigarrilhas. A escolha do procedimento mais adequado depende de análise do caso concreto, uma vez que existem pontos favoráveis e desfavoráveis, tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial.

Frederico Amaral é CEO da e-Auditoria, empresa de tecnologia especializada em auditoria digital.

Sobre a e-Auditoria:

A e-Auditoria é empresa de tecnologia especializada em auditoria digital. Sua plataforma traz segurança e agilidade na detecção de inconsistências nas declarações contábeis, fiscais e trabalhistas, o que reduz o risco de multas e autuações, além de identificar tributos recolhidos indevidamente pelas empresas, possibilitando a recuperação de créditos.