42 escolas públicas pelo Brasil já adotaram a estratégia com estudantes a partir do 7º ano. Mais do que resolver o problema da evasão escolar, iniciativa também traz debate sobre saúde emocional
Diante da pandemia da Covid-19, ficou claro que o desafio da evasão escolar se intensificou no país, especialmente na volta às aulas presenciais. Com a saúde emocional fragilizada por um grande período de incertezas, o número de jovens fora da escola aumentou bastante. A Gincana da Jornada X, desenvolvida pela ONG LiveLab, está trazendo o tema para o centro do debate e propõe soluções efetivas.
A intervenção visa envolver não só estudantes e a escola, mas também a comunidade do entorno. Em cada escola a Gincana dura entre 4 e 6 semanas, passando por 2 fases distintas, uma de preparação, desafios e mistérios com bases na metodologia de gamificação para envolver, depois vem uma etapa para engajar, colocar a mão na massa e despertar o poder de mobilização social de jovens a partir do 7º ano do ensino fundamental.
Com o sucesso do projeto piloto, agora a Gincana da Jornada X está em processo de expansão em 42 escolas do país, envolvendo cerca de 30 mil estudantes, colocando adolescentes a partir do 7º ano do ensino fundamental como protagonistas da busca ativa por colegas que não voltaram às aulas. A Secretaria de Esporte e Educação de Caruaru, no Agreste de Pernambuco, montou um programa envolvendo 35 escolas da rede municipal para os meses de maio de junho com quase 13 mil estudantes. Uma escola em Porto Seguro (BA) e outras cinco escolas de São Paulo (SP) também estão em processo de desenvolvimento do jogo.
“Como tornar a escola interessante novamente para esses jovens com baixa motivação e altos índices de desânimo e ansiedade? Levamos em conta que foram 18 meses de um hiato da vida social e de uso intenso de redes sociais, séries e videogames, e a resposta que encontramos foi o caminho do brincar, mesclando a tradicional gincana com elementos digitais. Com empolgação, a Gincana da Jornada X tem a energia de um carnaval da volta às aulas com espaço para todo o bairro participar, envolvendo a comunidade em prol da educação”, explica Edgard Gouveia Júnior, cofundador da LiveLab.
A primeira experiência com a gincana aconteceu na Escola Estadual Cidade Hiroshima, na zona leste de São Paulo, em outubro de 2021 – ainda no contexto de aulas no modelo híbrido. Antes da intervenção, apenas 240 estudantes estavam frequentando a escola. A Gincana aumentou esse número em quase cinco vezes, garantindo a presença de 1158 alunos e alunas de volta às salas de aula.
“Essas atividades da Gincana fizeram os alunos entenderem que a vida não é só o que a escola oferece. Na Gincana fica visível o quão positiva é a escola e os alunos estarem em contato com a comunidade”, contou o Conselheiro da Associação do Bairro na pesquisa qualitativa de conclusão do projeto da Escola Estadual Cidade Hiroshima (SP).
O contexto da pandemia provocou um quadro preocupante de evasão escolar e crise de saúde mental e emocional de jovens. De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2019, 1,3 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar estavam fora da escola no Brasil. Em 2020, estima-se que a pandemia levou à evasão de 4 milhões de meninos e meninas a mais, aproximadamente.
Além disso, 32% dos jovens entre 15 e 17 anos já pensaram em parar os estudos e 5 a cada 10 jovens se sentem inseguros quanto à volta às aulas presenciais, de acordo com dados extraídos da pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, do Conselho Nacional de Juventude.
A mesma pesquisa do CONJUVE, divulgada no Relatório Nacional de maio 2021 aponta o crescimento de sentimentos negativos durante a pandemia, assim, 61% dos jovens relataram ansiedade e 17% depressão – sendo ainda mais frequente em mulheres. Outro dado alarmante para a saúde mental foi o relato de 56% do uso exagerado de redes sociais.
O cenário atual se tornou um desafio também para professores e professoras que acumularam mais essa função de busca ativa de estudantes que pararam de frequentar a escola. Em 2021, 53% dos professores já se sentiam sobrecarregados, comparado com 32% antes da pandemia, de acordo com pesquisa do Instituto Península.
“A Gincana da Jornada X tem a capacidade de fazer muito nessa etapa de recomeço da educação no país. De acordo com a Fundação Roberto Marinho, a evasão escolar tem o custo de 3,3% do PIB nacional, não podemos deixar o cenário como está após a pandemia, é preciso envolver professores, estudantes, prefeituras, governos, secretarias e comunidades para trazer a juventude encarregada do nosso futuro de volta para um ambiente de aprendizado. É por isso que estamos expandindo a atuação para todo o país, acreditamos que essa intervenção vai fazer a diferença”, declara Edgard.
A Jornada X desenvolve e aplica tecnologias e estratégias de jogos colaborativos para a transformação positiva, inclusive aliando o costume dos jovens com as redes sociais à causas relevantes para a educação no Brasil. Na adaptação para o combate à evasão escolar, a metodologia reuniu quatro estratégias indicadas pela UNICEF: busca ativa de crianças e adolescentes que estão fora da escola; comunicação comunitária; mobilização das escolas; fortalecimento do sistema de garantia de direitos.
A metodologia também se inspira no provérbio nigeriano “É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. Assim, também tem efeitos duradouros no fortalecimento de laços comunitários e senso de pertencimento, intimamente ligado com o bem-estar social.
Como funciona a gincana?
O jogo tem um clima de mistério. Na primeira missão, a diretoria da escola elege entre 3 a 5 Mestres do Game entre docentes mais queridos pelos estudantes. Em seguida, cada Mestre escolhe o seu Agente X, mirando estudantes populares capazes de mobilizar seus colegas, e o Agente X forma uma Liga de até 5 estudantes. Na última etapa, cada Liga X cria uma Tribo X com o maior número de pessoas que conseguir alistar entre alunos, alunos evadidos e adultos da comunidade do entorno da escola (familiares, vizinhança, comerciantes, lideranças da comunidade).
Com um sistema de pontuação, as equipes são premiadas por atrair colegas que estão fora da escola, criando assim o incentivo para que se empenhem nessa busca ativa – cada estudante da Tribo vale 2 pontos, alunos e alunas evadidas valem 10.
Ao final das semanas de mobilização com um clima crescente de coopetição, a escola realiza um grande evento onde são realizadas as provas entre as Tribos, uma série de atividades “mão na massa”, como pintura de murais, show de talentos, plantio de horta, batalha de conhecimentos gerais.
Secretarias municipais e estaduais podem contratar esta ação emergencial para recuperar estudantes através desta metodologia única no país. Além disso, a ONG LiveLab também busca apoiadores que tenham como horizonte o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de Educação de Qualidade, assim, empresas e organizações que apoiam a educação e inovação no país podem fortalecer a expansão do programa Gincana da Jornada X para todo o Brasil, em prol do combate à evasão escolar e fortalecimento da saúde emocional dos jovens.