A efemeridade da alegria e a realidade pesada que precisamos enfrentar todos os dias inspirou o álbum de estreia da banda paulistana Gomalakka. “Quem Vai Ficar Até o Fim da Festa” reflete as mudanças políticas e sociais dos últimos anos com um olhar de um projeto que amadureceu nos palcos e que preparou calmamente o seu debut. Com produção musical de Bruno Pinho, o disco está disponível em todas as plataformas de música digital.

Ouça “Quem Vai Ficar Até o Fim da Festa”: http://smarturl.it/GomalakkaDisco

Faixa-a-faixa abaixo

Formada em 2005, a Gomalakka une eletrônico, pós-punk, indie e experimentalismo e conta atualmente com Ciça Bracale (voz e letras), Ale Vergueiro (bateria e percussão), Renato Maia (teclados), Flavien Arker (baixo) e Rodolfo Martins (guitarra). Na sua discografia, eles já trazem o EP “Lá Em Cima” (2016), além dos singles “Pixe” (2015) e “Ressaca Moral” (2016).

“O álbum chega num momento em que existe uma vontade da banda de, por um lado buscar novas sonoridades, para além do tom festivo, e por outro de responder ao contexto externo em que estamos vivendo. Muita coisa mudou durante esses 14 anos de existência, até mesmo os significados de algumas letras compostas aos 20 anos de idade. Desta forma, entendemos que é um momento de amadurecimento e transição da banda, que se vê refletido nas escolhas das músicas que compõem o disco”, analisa Ciça Bracale.

O álbum foi todo pensado com duas camadas – uma que caminha de acordo com a temática das letras, e outra que guia o clima do disco como um todo, indo do início de uma festa (no prólogo “Fiat Lux”) até o dia seguinte, com os efeitos dos erros da noite anterior e o clima de ressaca (na pesada e introspectiva “Gravidade”). Tudo isso criando uma ponte entre a história da banda e os dias atuais.

“Essa macronarrativa faz referência ao contexto político e social que vem se deflagrando nos últimos tempos e, em um nível mais íntimo, com a própria história da banda, cheia de altos e baixos. E o disco traz momentos intensos e outros mais introspectivos, e mesmo de dúvida, que também dialogam com o título”, conta Ciça Bracale.

O disco traz faixas nunca lançadas do passado, singles recentes e canções inéditas até para o público fiel. Cheio de pequenas referências que vão de samples de entrevistas e citações literárias, “Quem Vai Ficar Até o Fim da Festa” foi gravado no StudioDb por Gustavo Simão, produzido e mixado por Bruno Pinho, masterizado no Studio Dissenso,  com apoio do selo independente Howlin Records e da Cérebro Surdo Produções. O disco está disponível em todas as plataformas de streaming.

Foto: Lívia Nonato

Ficha Técnica:

Produção e Mixagem: Bruno Pinho 

Gravação: Gustavo Simão

Masterização: Studio Dissenso 

Apoio: Howlin Records e da Cérebro Surdo Produções.

Letras: Ciça Bracale

Composição e arranjos:  

Ciça Bracale – voz

Ale Vergueiro – bateria e beats

Rodolfo Martins – guitarra

Flavien Arker – baixo,

Renato Maia – teclados e bases.

Faixa-a-faixa, por Ciça Bracale:

O disco se inicia com a track FIAT LUX (“faça-se  a luz”) e termina com a track GRAVIDADE, no sentido de peso e/ou algo grave. No prólogo do disco, incluímos “A Pequena Fábula”, de Franz Kafka, como uma bússola para definir desde que recorte vamos falar, ou desde que sentimento.

Pra nós, o que interessa daqui são duas coisas: primeiro, que é uma fábula, que normalmente abre peças teatrais, então é um convite a pensar que o disco tem uma história que vai se desenrolar, e por outro, é uma fábula meio de duplo sentido, onde parece que no fim não há esperança pra nós. 

Na sequência, aparece ARMADA PRA CAUSAR, pra desenrolar a narrativa mais superficial do disco, que contaria uma pessoa indo para uma festa. A música foi composta em outro momento, especificamente durante os ataques do PCC que rolaram em 2005 em SP, com a cidade em estado de alerta.  As ruas se esvaziaram, e apenas os trabalhadores e habitantes da rua, guerreiros urbanos, continuaram lá. Mas atualmente, ganha novos matizes com essa questão do armamento, pauta recorrente dessa galera que assumiu o poder. Então, podemos entender que de uma forma irônica, acreditamos no “armamento”, só se for pra causar. Mais uma vez, nossa postura e resposta à guerra que nos rodeia é o combate através da ação, e a resistência através da celebração da liberdade.

Logo, vem a THE RIDE, nossa única faixa em inglês, ela foi composta assim e tem referência direta a uns sons mais Massive Attack que estávamos ouvindo na época, então não quis mudar o idioma original. Inserimos a vinheta de Matrix para dar sequência à narrativa e essa música marca uma virada de tom no disco. Se vínhamos mais festivos com Fiat Lux e Armada, agora embarcamos nessa viagem para sonoridades mais intensas e obscuras das faixas que seguem, paralelamente, na nossa historinha, seria o momento em que o personagem toma a tal pílula e entra numa bad trip. Ou, na narrativa mais ampla, seria o que aconteceu depois das eleições das fake news. Por isso, a escolha do trecho que diz: “estou oferecendo apenas a verdade”.

O meridiano do disco é marcado por INSECTA, o single que antecipamos para funcionar como um chamariz pro disco. BIRRA  vem na sequência, como aquele momento da bad trip, em que você fica com mania de perseguição, ou com uns TOC bizarros, tipo lavar a mão insistentemente. O refrão “eu vou lavar meu coração na pia” relaciona-se ao esvaziamento do sentimento. Quase uma constatação de que nada adiantou sermos tão sensíveis, e que agora  só nos serve sermos mais duros para seguir, ou pra acabar de vez com essa vã alegria.

SURPLUS originalmente chamava Eu Quero Tudo, mas mudamos o nome, pois acreditamos que dentro dessa macronarrativa do disco, agregava valor simbólico ao que se está dizendo. O nome veio de um documentário que me marcou muito. Ele fala sobre esse excesso do sistema capitalista de produção, e pessoalmente eu acredito que acabamos refletindo esse comportamento do surplus nos nossos relacionamentos, de nunca estar satisfeito, de nunca ser suficiente, de sempre querer tudo – que é o que fala a música o tempo todo. 

GLITCH é uma música que fala sobre frustração, sobre essa quebra de expectativa em relação ao outro. Sobre um espaço-tempo do abandono. Glitch pode se traduzir como falha. Na nossa macronarrativa fico sempre pensando em que momento perdemos a mão como humanidade. Em que momento ocorreu essa falha de comunicação para que todo esse contexto político se configurasse?

Na micronarrativa do disco, poderíamos imaginar na nossa historinha que é o momento depois dos últimos tragos, em que a personagem se apaixona por aquela pessoa estranha, e se sente segura com aqueles olhos, no meio do cenário caótico ao redor: “Você era minha casa no mundo”.

Depois dessa noitada, nossa personagem amanhece com a RESSACA MORAL. De novo, na nossa macronarrativa do contexto político, estaríamos presenciando algumas ressacas morais por aí, depois do fim da festa, depois de comemorar a derrota, mais do que a vitória. Enfim, na micronarrativa, é o dayafter da personagem, sem mais.

O disco acaba com a faixa GRAVIDADE. Musicalmente talvez seja a faixa que una mais todos essas fases da sonoridade da banda. Simbolicamente, vem como uma resposta à fábula inicial e ao contexto real em que se insere essa produção. Nossa postura acho que fica clara, ainda que de maneira implícita. E terminamos o disco com esse alento, de que ainda dá tempo. E uma ventania cuja referência é o filme Mágico de Oz. Quem assistiu o filme, sabe o que rola depois da ventania.

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